quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Preparação

© Dragonfly Images

Não houve a intenção,
Ó bela interlocutora
De passar essa impressão,
(ainda que sedutora)
De ser tão autossuficiente,
Ou de ser tão autocrente,
(Crente que já sou gente)
E o mundo que me agüente?

Não...
Não foi essa a intenção.

Não foi por certo ou calculado
Ter nascido tão fadado
A incomodar pelo que digo
Mesmo quem não é inimigo...
Não foi de caso pensado
Ter sido assim moldado
Pelos erros e acertos passados
E desses eventos ser resultado

Não me é motivo de vergonha...
Mas de orgulho também não é
É só o caminho das coisas
É por onde andaram meus pés

Não me vejo contando vantagem
Nem preciso ser humilde demais
Sou apenas um sujeito em viagem
Rumando de cais para cais
E se não parei muito na maioria,
Não foi por falta de vontade
É que nem sempre o lugar me queria
Eu estar lá não era necessidade.
E sem ressentimento eu partia
Me dirigindo pra outra cidade,
Onde houvesse alguém que sorria
Ao me ver aportar com saudade.

Depois de muitas viagens eu digo
Que não sou, nem me acho, não
Tenho no peito batendo um amigo
E na cabeça, funcionando um irmão
E digo, tudo que aconteceu comigo
Nada mais foi, que uma preparação.
Para o quê? Ah, mais tarde eu te digo.
Antes, vem aqui e me dê sua mão.

Cômico Cosmos

© NASA
Desci até os confins de meu ser
Embrenhei-me entre ossos,
Nervos, tecidos
Diferentes ou parecidos,
Desci ainda mais,
Desci demais.
Passei da alma,
Passei da palma...da mão
Passei muito, muito mais
Vi um átomo correndo
Resolvi correr atrás
Acompanhei-o
Ao pub das Moléculas,
Elétrons Prótons, Táquions
Simpáticas, Subatômicas partículas
Receberam-me bem
Conversaram comigo
E me mandaram além.
Disseram que no espaço
Após desfeitos os laços
Além do princípio,
Além do fim,
Havia uma resposta pra mim,
Então eu fui. Desci mais e mais
Virei a realidade ao avesso,
E o que encontrei atrás?
Nebulosas,
Cometas,
Galáxias frondosas...
O velho universo de sempre,
Que deu a volta na existência
E no espelho das aparências
Fechou a curva da infinidade,
E me mandou de volta pra casa
Me sentei num meteorito,
Descansei, (e cansei de dar risadas)
Pensando em como é bonito
Procurar em largas passadas
Vagando pelo infinito
Resolver algum mistério,
Quando não sei nem a sério
Pescar Deus, e suas piadas!

Publicado no Recanto das Letras em 18/05/2010

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O Bem-Entendido

© Travelpod.com

Há coisa de um momento
Eu não queria mais sentir.
Questão de instantes,
Em que só queria fugir
Deixar pra trás essa terra
Essa cidade, escapulir
Dessa gente que só erra
Que só sabe se distrair...

Há menos de um minuto
Eu queria mais que tudo
Poder tirar o traje de luto
Essa minha roupa tão sóbria
Toda a desculpa que me sobra
Pra não virar um prostituto
Pra não me perder como eles
Abandonar meu olho arguto
E amansar meu instinto feroz.

Há pouco menos de um instante
Abandonei meu modo educado,
Eu deixei de ser um galante,
Que ficava incomodado
Com os modos deselegantes
Dessa gente tão barulhenta
De coração tão arrogante
Com consciência tão curta,
E insegurança gritante.

Mas uma fração de segundo passada,
Numa visão, num lance de vista
Cortaram meu sono à espada
Chamaram meu nome na pista...
E tive que voltar à arena,
Não pra lutar, mas me perguntaram
De que tão cansado eu estava,
Que tipo de ferida me causaram
E de que tormentas me afastava.

Numa troca de olhares cansados
Brilhando o desejo de afastamento
Dessa multidão de humanos errados
E numa busca por mais entendimento
No final luminoso de uma certa tarde
Os dois olharam numa mesma direção
Sem menor escândalo, sem nenhum plano
Quietos, qual a batida de um coração
Entenderam, há todo um mundo de engano..
Mas de bom mesmo, só uma intenção.

Então sorriram, e deram as mãos.

Publicado no Recanto das Letras em 28/12/2010

Resoluções de Ano Novo

© Google

Bom dia, muito obrigado pela atenção
Desculpe incomodar o silêncio da sua viagem
Trago aqui na promoção
Um pouquinho da minha verdade,
E um panorama da sua ilusão.

Aqui, só aqui na minha mão,
Tenho a mesma ambição que você
Aí fora custa muito mais,
Só vocês é que não podem ver.

Por isso essa minha cara de fome
Por isso essa minha falta de jeito
Mas eu sou sujeito homem,
Não querendo lhe faltar o respeito,

Vim dizer que eu quero mais
Muito mais do que eu tenho agora
Quero tudo que deixaram pra trás
Quero tudo que vocês jogam fora.

Quero tudo, sem pudor nenhum.
E se for pra sobrar, que me sobre algum.
Eu podia estar roubando,
eu podia estar matando, mas não.
Estou aqui, humildemente
Pedindo sua atenção.

O que eu quero não é nada demais,
Quero o carro que seu filho bate toda semana
E não me xingue, não me odeie mais:
Quero a grana que sua filha gasta com pó,
O “din-din” do whisky e da pílula, aliás
Que a senhora usa pra não se sentir tão só.

Quero aproveitar o que eu posso
Com as coisas boas que vocês tem
Porque mesmo isso não sendo nosso,
Vocês não sabem usar também...

Vou desperdiçar a minha educação
Enquanto me botam pra fora da lotação.
Mas não se incomode, um dia eu volto.
E não se espante se eu me revolto.
É que cansei da incompetência de vocês
De sentar na janela e não saber usar a vez.

Menos preguiça, menos, menos
Menos atropelo. Mais zelo, mais, mais.
Mais cuidado, concentração.
Mais sentimento, mais paixão.

Que caia do céu, não tenho vergonha
Direi para todos: sou aquele que sonha
Mais dinheiro? Mais, mais, mais mesmo.
Sabes que não vou gastar a esmo.

Mas agora eu vou partir
Agradeço pela atenção
Espero que o meu pedido
Encontre compreensão
E amanhã, numa virada de um outro ano
Eu já não esteja mais aqui,
Que eu já seja considerado um ser humano.
Com direito de cantar e sorrir.

Publicado no Recanto das Letras em 01/01/2009

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Autoestima

© building-self-esteem.net

Ter autoestima, é ter por si
O mais profundo respeito,
É no silêncio, o coração
Batendo calmo no peito
Sem precisar de afirmação,
Reconhecer-se com valor
E o amor por matéria prima,
Construir-se então daí.

Autoestima é tesouro guardado,
É renda, provento, é garantia
É ter segurança, um resguardo
De qualquer tormenta vizinha

Autoestima, é serviço prestado
A si, e à realidade que te encerra
Quem tem consigo ‘se termo quitado
Dificilmente até, com os outros erra.

Autoestima, é valoroso penhor
Necessário à alma, educação
Pois na cartilha de todo amor
Autoestima é a primeira lição

Publicado no Recanto das Letras em 19/09/2010

O Calor Não Gosta de Mim


© TheMuttRoom.com

Não faz calor. O que sinto é algo que ultrapassa a definição de calor. O apocalipse existe, e se parece com um forno. Os poucos sobreviventes correm de um lado para o outro em busca de um ar-condicionado ou, na pior das hipóteses, de uma pouco eficiente sombra. É um período de suor, de gente estranha, de correrias sem sentido e sorvetes derretendo tristemente antes de serem consumidos. Às vezes eu observo as montanhas lá na frente, circundando pacientemente a cidade desde sempre, cobertas com aquele verde. Sinto vontade de estar no meio daquele mato, enfiado numa cachoeira qualquer, desfrutando da água gelada até acabar essa estação inclemente. Confesso que o verde das montanhas não me parece tão belo quanto o da minha terra, porque o vejo através daquela névoa amarelenta da poluição, que sobe centenas de metros acima do chão, fazendo um triste degradê com o azul do céu.

Meu organismo de ser das montanhas não comporta tanta agressividade de temperatura. Não aceita esse abafamento sórdido e tampouco se acostuma ao calor que profana até as noites. As noites são regiões em que desde sempre, instalou-se em meu imaginário e em meu coração um friozinho ameno, um agradável incentivo à procura por um aconchego, seja ele qual for.E no calor inclemente de um verão que mal é chegado, percebo que há muitas conexões simbólicas a serem feitas. É um calor que emperra pessoas e instituições. É um calor que incentiva a fuga, a irresponsabilidade e a falta de compromisso. É um calor que penetra no DNA de toda uma espécie. Um calor que incita ao engano e à trapaça. Um calor que chega cedo, come muito, causa prejuízos, vai embora tarde e sai sem pagar.

Mas não é justo dizer que o calor é o culpado por tudo. Apenas me compadeço daqueles cuja vida não pode parar por causa da simples chegada do calor. Tenho mais reservas com aqueles que engolem com facilidade o marketing e a venda de conceitos de prazer e diversão que a chegada do verão oferece. A avidez pelo não-trabalho, pela não-produção, pelo ócio eterno. Sempre me surpreendi ao ver como se reclamava da chuva, do frio e de dias cinzentos, ansiando por um clima que só pode ser aproveitado adequadamente por quem não tem obrigações e responsabilidades. Jamais achei que o verão não devesse existir. Tenho ótimas lembranças de ótimos verões.

Não me dou bem organicamente com o calor, mas diferente dos seres estranhos que povoam este planeta, consigo ver a mesma estranha beleza na água de uma praia tranqüila brilhando gentilmente no sol do fim da tarde e no descer suave de uma névoa matinal sobre as montanhas, num dia de inverno na serra.  Consigo amar igualmente a beleza dos vestidos e a soltura dos corpos das moças no verão, e o indescritível prazer de se aconchegar procurando o calor num dia de inverno, onde o brilho de um olhar e o toque de um nariz gelado podem ser o prenúncio de inúmeros bons momentos. Gosto do vento, gosto do sol, gosto da chuva, gosto do azul, gosto do cinza sobre o verde. Gostaria até do calor, mas infelizmente, o calor não gosta de mim.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Antes de Içar as Velas

"Arrastão à Tardinha" de Lucio Quental

Às vezes nos surpreendemos girando gentilmente nas águas de um turbilhão de compromissos, obrigações, prazeres, encontros, sorrisos e pequenos e agradáveis desesperos. Alguns de nós acabam conseguindo apertar o botão de pause num desses momentos para poder descansar. Enquanto isso o corpo continua pilotando o caiaque que desce essa corredeira na qual nossa vida se transforma em certas épocas. Na maioria das vezes é tranqüilo, em outras não. Algumas vezes temos que correr lá e tomar o controle. Voltar ao foco se não a gente se perde no meio das pedras, ou toma um caldo aqui ou ali.

Hoje tirei uns 5 minutos pra pensar nisso. Sinto saudade da época que o tempo passava na sua velocidade real. Fiquei nostálgico do tempo em que um sábado parecia eterno pra mim. Quando um fim de semana era uma eternidade a se explorar. E nesse festival de analogias e metáforas aquáticas, de tanto pensar, acabo encontrando meu coração no meio do caminho. Pensar sobre sentimentos. Sentir sobre pensamentos. Eu tenho afeição por pensar, sinto carinho por desenvolver um assunto na cabeça. Mas me assusta a rigidez das filosofices. Se filosofar é rigor, é regra, é engenharia com pensamentos, acabei me afastando disso. Há quem goste, há quem faça bem, há quem nasceu pra tanto. Quero pensar de forma artística mesmo.  Desenhar pensamentos. Pequenas aquarelas coloridas com lembrança. Fotografar as mil faces da ilusão, os mil tons do amor, as mil formas da amizade. Fazer esculturas com a massa cinzenta que anda tão mal utilizada ultimamente.

Mas no final, tudo se resume a navegar. Quando o caiaque termina de descer as corredeiras, vai chegando mais perto da foz do rio. Abre-se diante de nós aquele enorme estuário das possibilidades, cercado do mangue ao mesmo tempo riquíssimo e assustador do amanhã. Nessa hora é necessário pensar, sentir, e saber. Tudo ao mesmo tempo. Nessa hora, o preparo é o que separa os amadores dos profissionais. O mar aberto está logo ali, logo depois da próxima curva. E se atirar numa aventura no mar aberto é de um prazer assustador, mas todo navegador sabe que é burrice fazer isso sem uma boa embarcação. Sem bons mapas, bons instrumentos e suprimentos. O mar é imprevisível, ninguém que vai a ele sabe com certeza de sua volta. Mas estar bem preparado é prerrogativa de quem quer não só a aventura, mas todos os maravilhosos proveitos, aprendizados e experiências que podemos tirar dela. Atire-se na jornada, mas cheque seu equipamento antes, por bem do seu próprio prazer e felicidade.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A Ilha das Coisas Selvagens

 

Where the Wild Things Are (2009) Copyright © Warner Bros. Pictures.

Cada vez que eu cometia um erro
O anjo morria um pouco em mim
E o menino-fera ficava mais forte.
Uma espécie de desterro,
Começava a acontecer assim
E errar passava a ser meu esporte.

Sempre que eu percebia reprovação
Mais triste ficava, e mais errava.
E do erro a fera se alimentava.
Era um caminho sem outra opção,
Essa estrada pela qual eu andava.
De mim nada bom ninguém esperava.

Mas ainda existia por baixo de tudo
Da roupa de lobo, de focinho pontudo
Um resto do anjo que esperava ser salvo.
Infeliz, que um dia, por erros a mais
Fui condenado, e fugi para o cais.
Naveguei ao horizonte, fugi de ser alvo.

E cheguei numa ilha das mais estranhas
Onde moravam feras de grandeza tamanha,
Mas simples e toscos, cada qual a seu jeito.
Me admiraram justo por meu selvagem ser
E ser como eles, nos domínios de seu parecer
Me trataram por rei, me prestaram respeito.

Mas senti que eles não eram de verdade.
Eram parte de mim, eram meus sentimentos
Cada qual em forma de monstro encarnado.
Eram todos soma de pureza e maldade.
Eram básicos, imperfeitos estranhos tormentos
Retratos perfeitos de quanto fui descontrolado.

Precisei dominá-los, ou ao menos convencer
Com muita diplomacia, me fazer entender,
Para sair vivo da ilha e não ser devorado.
E voltei para casa, com a alma cansada de doer
E um sentimento novo no coração a bater
E os sentimentos que deixei para trás, dominados.

Na minha volta encontrei mais calor e alegria
Aprendi a trabalhar naquilo que me cabia
E a ter responsabilidade não só por pensar.
Trouxe da ilha a lembrança de tudo que sentia,
Tudo que gostava e o que não me servia,
E aprendi, finalmente a tudo isso equilibrar.

Rasguei as vestes de menino-fera,
Como anjo apareci, com experiência aprendida
Deixei os farrapos pra trás,  e de repente
Todos perceberam, mesmo sem espera
A fera deixou a marca da própria mordida
E naquele momento, de fera, voltei a ser gente.

Publicado no Recanto das Letras em 16/06/2010

(Livremente inspirado no Livro / Filme "Onde Vivem os Monstros")

sábado, 11 de dezembro de 2010

Buscas



Tem dias que meu coração
Fica num estado tal,
Tomado de tanta emoção
Algo fora do normal

Tem horas que chega doer
Ouvir uma música bela,
Ler num livro algo bonito
Ou apenas parar, e pensar nela...

Em outros dias, meu coração
É víscera, é animal
Em estado de agitação
Uma fera, um ser primal

Tem horas que é afiado
Tem jeito de vidro partido
Como por aço ou ferro forjado
Por vezes fere, ou é ferido

Uns dias meu olhar captura
A mais singela das cenas
E ali, no peito a segura
Pra não esquecer, apenas.

Uns dias, vejo só a dor
A minha, a de quem passa perto
Da solidão, da falta de amor
Das surpresas, ou do incerto

Uns dias, trago o mundo na alma
E uma flor em minhas mãos
A música que as feras acalma
No olhar trago pronto o perdão

Em outros, sou puro tormento
Advogado, juiz, júri, executor
Não sei de nada, só do momento
Nada me tira desse torpor

E chega um dia em que nada sou
Despido de tudo, até de mim mesmo
Olho pra trás, para quem me amou
Alcanço no mais profundo do meu ser
E pergunto, “quem, quem mesmo eu sou?”
O passado olha minha face triste
De joelhos, me curvo ante o vazio infinito
Mais uma vez pergunto, as mãos em riste
O céu responde, num vento aflito

Cinzento, escuro o ar abafado
Eu na terra, por formigas rodeado
Sinto o cheiro molhado do chão
E começa a chover então...

O mundo me troveja respostas
Gotas de verdade caem em mim
Não nasci para virar as costas
Nem pro que é bom, nem pro que é ruim

Essa é a minha sina, a minha missão
Andar, esperar, fazer o que puder
Agarrar se estiver ao alcance da mão
Ofertar um sorriso a alguém quando der

Procurar o meu próprio Deus pessoal
Com meu jeito, meu pleito, minha feição
Esperar que a paz venha um dia, afinal
E amar, e escrever, e fazer disso oração.


Publicado no Recanto das Letras em 17/09/2009

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Lembranças do Amanhã

London Eye - ©Paulo Nogueira

Lembro-me do futuro
Da cor da camisa que usaria
De não estar em cima dum muro
Lembro-me de uma certa alegria.

E me lembro naquele futuro
Do perfume de coisas belas
De sentir-me calmo e seguro
De esperança em cada janela

Houve tempo em que tive saudades
Do futuro que eu muito queria ter
Um futuro de perfumadas felicidades
Um futuro impossível de esquecer.

Tive tanta, tanta saudade
Daquele futuro brilhante
De uma bela e grande cidade
Quem sabe, um país distante

Mas como todo futuro pensado
Ele acabou ficando pra trás
Acabou se tornando passado
Sem o que, nem porque mais...

E vieram tantos, e frios presentes
Urgentes e insistentes agoras,
Que mesmo a esperança resistente
Sentiu-se fraquejar naquela hora.

Momentos reais, perdas, esperas
Eu vivendo a roda viva da vida
Trancado na jaula das feras
E sem futuro para uma acolhida

Mas passado um momento, e tudo mais
Li em algum lugar uma frase
Quem sabe em revistas, talvez em jornais
Dizia que até o presente é uma fase,
E que a poesia, estando instalada
Se tornava o fiel da minha balança
Nas mãos do poeta, tal qual espada
Ou talvez até uma lança
A empunhar palavras,
Num campo de batalha
Com seu olhar puro,
Poeticamente trabalha,
Para lembrar-se do futuro.

Publicado no Recanto das Letras em 08/12/2010

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Um ano em poucas palavras...


Há tempos que não paro para escrever sobre o presente. Há um certo tempo que não parava para olhar para a minha rotina e para contemplar de fora da cabine de comando essa nave desembestada que é o meu ser. Desde que tive que mudar de casa, mudar de bairro, mudar de vizinhança, me virar com tudo isso e adaptar, e me adaptar, vinha até esquecendo de olhar para o resto das coisas que compõem a minha vida. Agora o fim do ano se aproxima, este ano estranho, bagunçado e cheio de perguntas ao qual deram o número de 2010. Esse ano que começou como um simples resto de 2009, que por sua vez foi o que sobrou cuspido de um 2008 mastigado. Esse dois mil e dez que foi nada mais que a tradução de uma esperança de melhoras em vários aspectos, mas que me provou que nada melhora e nada muda se eu não me mexer. Por mais difícil que seja. O ano anterior, foi feito basicamente de escombros econômicos de uma crise que parece ter afetado só a alguns países do hemisfério norte e mais a parte da minha carteira onde ficam as notas. Foi construído em cima de tentativas e erros de sair-se de um problema enfrentando outro, mas ainda assim foi um ano corajoso, um ano de fechamentos e um ano de conclusões. Houve enganos, mas também houve esclarecimentos. Apareceram promessas, algumas se cumpriram, outras não. Algumas com tranqüilidade, outras doeram mais um pouco. A maioria delas só serviu pra jogar um pouco mais de concreto na mistura dos meus sentimentos. Mas sobrevivi e cheguei a este ano que corre...E corre... Corre muito.

Tudo que aconteceu na virada da maré, toda a necessidade de mudança, de sacudir a estrutura, de me livrar de um ambiente no qual eu tinha escrito uma história há muito cancelada, tudo isso aconteceu, ainda que um pouco atrasado, na hora certa pra mim. Aquela sensação de urgência, a adrenalina do “quase não dá”, o quase fechamento de negócio com uma imobiliária que fez meu picaretômetro apitar, e o aparecimento de uma oportunidade quase perdida em outro lado aparentemente mais honesto, tudo isso veio com o sabor dos grandes e clássicos imprevistos que já se tornaram a matéria-prima dessa minha peculiar vida. Arrumei casa, a tempo, me livrei dos inquilinos, dos problemas crônicos do prédio antigo, e de quebra deixei pra trás um universo de lembranças muitas vezes desnecessárias. E mais. A despeito de vários conselhos cautelosos e coerentes recebidos, consegui fazer tudo do meu jeito. Determinadamente quase não dando. Mas com minha vontade férrea de fazer o que queria, mais uma vez atraindo magneticamente pra minha realidade o melhor possível na situação em que me encontrava. Com o passar do tempo, cansei de ser teimoso e passei a dar crédito à minha própria teimosia. Aprendi a empregá-la a meu favor. E quando ela se transforma em magnetismo, eu deixo. Atrai coisas boas para mim. Assim tem sido desde então, a segunda metade deste ano está se passando em novos ares, não tão dados a exuberâncias e delírios de consumo de classe média-alta, porém mais enxutos. Tanto financeira quanto espiritualmente. Assim como na moradia, na mudança (nossa, quantas coisas velhas coloquei pra doação, joguei fora, ou vendi) estou aprendendo a eliminar supérfulos. Sejam eles materiais, sejam energéticos. Isso tem me feito mais feliz.

Falando em felicidade, não é por acaso que deixo essa nota por último. Talvez eu tenha demorado a perceber, nessa correria em forma de ano, nesse período de pouquíssimos e rápidos meses que tentam me convencer que são doze, que à medida que a situação prática da minha vida ia sendo arrumada, ou ao menos reorganizada, eu meio que de propósito, meio sem querer, fui deixando a velha procura de lado. As incongruências que são tão boas como material para poesia, que floresceram no solo fértil em encontros e desencontros do ano passado, nesse ano foram menos aceitas. Acabei deixando-as um pouco de lado e descansei o velho coração. Findo o meio do ano, findo o último engano, finda a brincadeira, ao mesmo tempo em que procurava casa nova, botei o coração pra lavar. Tirei da máquina, sacudi e pendurei no varal pra secar. Coitado. Quase o deixei esquecido no apartamento antigo. Quase, por pouco não me mudo pra casa nova sem ele. Mas acabei lembrando, sem dar muita importância, mas lembrei. Não que não me seja caro, não que não me fosse importante, mas naquele momento, o melhor a fazer era deixá-lo quieto por lá. Tinha muito trabalho a fazer, muita coisa a arrumar e nos momentos de lazer, eu realmente não precisava dele. Qualquer pessoa que já tenha apanhado um mínimo nos ringues do sentimento saberá do que falo.

Mas eis que o tempo passa, e ele sente vontade de ser usado novamente, como roupa limpa e passada pendurada no cabide. Procurei uma solução muito comum, porém pouco tentada. Procurei um ambiente onde pudesse oferecer e também exigir um mínimo de observação prévia, um ambiente controlado. Já tinha cansado de viajar milhas para levar tiros à queima-roupa. Se fosse para morrer à bala, que fosse perto de casa. Escrevi minhas condições, pendurei na parede, e deixei para apreciação pública. Se eu disser que não esperava nada, estarei mentindo. A princípio, é bem claro que realmente, tudo que eu esperava passou pela minha frente. Um ou outro olhar, um ou outro conversar, um ou outro interesse, mas nada diferente do jogo que eu já via sendo jogado há muito tempo. Nada que me fizesse pensar em coisas novas. Nada que minha mente não conseguisse mapear em 10 segundos. Nada que me desse vontade de perguntar ao menos um porquê. Mas, como em toda boa história, quando eu menos estava esperando... Apareceu algo que me fizesse pensar em coisas novas, que eu não consegui mapear em 10 segundos e me deu vontade de perguntar vários porquês. Apareceu alguém que abordou não só minha pessoa mas a minha proposta. Apareceu alguém que falou uma língua que eu entendia de ouvido, sem precisar ligar o filtro tradutor de jogos e intenções ocultas. E de repente eu tive a sensação de me refrescar com isso, em pleno início de verão, como um mergulho na cachoeira depois de meia hora de trilha. A velha curiosidade não só apareceu, mas foi manifestada do lado de lá também. E eu me vi no espelho, um dia depois, com a cara mais relaxada do mundo, banho tomado e barba feita, pronto pra tudo, e ao mesmo tempo para qualquer coisa e coisa alguma que acontecesse. Eu me vi seguro mesmo antes de saber que poderia, se deveria. Acompanhanei uma belíssima tarde azul até o seu final, disposto a investigar uma séria suspeita de descoberta de pedra preciosa. E minhas suspeitas se confirmaram, constatei a boa procedência e qualidade da gema. Foram mais de 6 horas da mais minuciosa análise, e um grau de qualidade aferido e testado além dos prognósticos. Perguntei coisas para saber respostas para elas e para outras perguntas. Descobri nuances e colorações dificilmente encontrados numa mesma situação antes, e me surpreendi ao perceber propriedades que já não mais julgava existentes no mercado. Me entreguei com prazer e animação em conhecer minha jóia recém descoberta. Naquele dia voltei pra casa seriamente impressionado. Mesmo depois de um tempo sem uso, meu coração me avisava que ali poderia haver uma boa oportunidade. Comecei a deixar depois de muito tempo que ele chefiasse a investigação, cujo resultado final seria obter permissão para gravar nele, em meu coração, mesmo tão prematuramente (muito mais que o costumeiro) o nome dessa preciosidade recém-descoberta: Clarice. E assim foi gravado. E vejam, antes desse ano tão espetacularmente peculiar terminar.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Antagonismos

 

Antagonicamente,
Minha mente
Se Divide...
Se exprime,
Se expande
Se comprime,

E explode.

Antagonicamente,
Agora não mais...
Meu coração
E meu pensamento
Firmaram acordo
Em certo momento
(Senão eu morro)
E assim sucedeu.

Antagonicamente,
O mundo nasceu
E continua a girar
Mas não mais eu:
Em acordo que estou,
Procurei me tornar
Uma força no mundo
E os antagonismos
Como cavalos, montar

Ou pretos ou brancos
Na real, não importa
Trotam sobre prantos
E cavalgam revoltas
São veículos perfeitos
Pro que levo no peito
E pra minha intenção
De conduzir seguro
Seja nova invenção,
Ou sentimento puro.

Antagonicamente,
O mundo é assim,
Todos nós, tal o são
E procuro pra mim
A deliciosa missão
Semear, tal delicado jasmim
No chão do pensamento,
E nascer perfumado, o amor
Na lida dos meus sentimentos.

Publicado no Recanto das Letras em 31/05/2010

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Diferente de Quem, Cara-Pálida?


Não lembro bem de quando comecei a sentir esse incômodo. Só sei que foi crescendo, como uma dor de cabeça que começa fininha, quase imperceptível. Apareceu e tomou de assalto minha mente, essa revolta que sinto contra padrões facilmente aceitos. Não tenho nada contra padrões, muito menos contra qualquer tipo de aceitação. Mas por muitas vezes o comportamento bovino desses mamíferos bípedes primatas me provoca raiva. Não só pela coisa do rebanho, nem apenas pela consciência de grupo, nem tampouco pela necessidade doentia de se encaixar em grupelhos. É a falta de reflexão sobre o fato que me deixa mais rendido. Adicione-se a isso a venda de idéias pré-concebidas, o orgulho idiota e, horror dos horrores, o mais rasteiro maniqueísmo. Sim, em última análise, somos todos iguais. Mas uns conseguem ser irritantemente mais iguais que os outros. O único alívio que já senti ao pensar nesse assunto foi quando me lembrei da entrevista com a tal garota. Em um shopping de classe média-baixa, figurava como parte de um grupo de quase-clones, quando foi abordada pela repórter.

Eis que diante das câmeras, aquela menina morena e gorducha, os cabelos forçosamente penteados em duas pesadas tranças que lhe caíam mal-arrumadas pelos lados da cabeça demonstra um pouco de timidez, mas conversa de forma simpática com a jornalista. A câmera faz algumas tomadas de suas roupas, a saia, a camisa preta, os acessórios, as tatuagens. Os tênis pretos inevitáveis, com cadarços rosa, e a animação um pouco envergonhada, porém sorridente da mocinha que os usa. Em certo momento a câmera passeia pelos amigos, reunidos em grupo, um pouco mais distantes. Uns a observam de longe, dizendo algumas palavras de incentivo, outros conversam entre si, animadamente. A repórter faz algumas perguntas, onde a única que tomou um aspecto memorável suficiente para adentrar minha memória foi a do porquê da moça usar aquele estilo, aquelas roupas, aquelas tatuagens. A resposta, que ficou registrada na câmera, com o grupo de exatamente iguais à ela no fundo, me causou um sorriso impregnado do mais doce sarcasmo e da mais suave ironia: “Para ser diferente”.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Ecossistema

© br.viarural.com

No encontro das águas que é meu coração
Quem olhasse de longe, nada entenderia
Pois que é rio, e é mar tudo junto em confusão
Mas ao mesmo tempo, perfeito sentido fazia.

No manguezal de raízes emaranhadas
Cheio de sementes da vida e promessas por vir
Quem caminhasse em cuidadosas passadas
Encontraria algumas flores, e se poria a sorrir.

Na verde floresta das minhas ricas razões
Há o claustrofóbico ambiente que a muitos espanta
Há ancestrais verdades e magníficas ilusões
E um sentimento que em direção ao céu se levanta.

No pantanal vasto e intrincado dos meus quereres
Há espaço para toda uma vida, um ecossistema.
Há fauna e flora, há cura, há ancestrais poderes.
Só não cabem certas digressões, nem certos dilemas.

E antes disso tudo há um deserto.
Um vazio que aumenta, esperando no vento.
Tristemente vazio, como é de certo.
Ecoando murmúrios de velhos sentimentos.

Publicado no Recanto das Letras em 21/07/2010

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Turista Acidental

"Wanderer Above Mists" - Caspar D. Friedrich

É tão claro
Quanto me parece?
Ou estarei iludido
Ao ver tua prece?
Serei o mais acertado?
Terei eu despertado?
Achado rumo, ou ainda,
Me posto no prumo?

Se enquanto fico,
Me apoio no chão
E viajo em mim
Em meu coração
Vejo vocês voarem
Irem, e livres voltarem
E ainda assim choram
E em mim se demoram.
 
Qual o sentido
do livre voar?
Tamanho é o desejo
de ao sol viajar?
Será que a ti mesmo queres achar?
Achas que irás te encontrar?
No ar, ou no mar, a si mesmo
Se no teu próprio pensar
No teu navegar a esmo?

De que te adianta
Pôr o mundo a girar?
Numa ilha distante
Por um tempo morar?
Nas asas do vento
Fugir, se elevar
Enquanto em teu peito
Bate aquele lugar?
Que você não conhece
Que você não visita
Te adormece e mata
E a procura suscita
A viagem mais bela
O lugar mais secreto
Tu tens medo de ir
Tomas por tão incerto

Que te adianta rodar o globo
Procurando um abrigo
Se em teu próprio olhar bobo
Estás perdido, ó amigo?
Que te adianta procurar
Voando ou singrando mar
Se em dentro de ti
Existe o único país
No qual não te atreves pisar?

(Publicado no Recanto das Letras em 21/12/2005)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Love Is a Junkyard Dog

 "Serena" foto de José Reynaldo da Fonseca

Imagine que o amor e a paixão são cães. Imagine que são dois tipos bem diferentes de pulguentos, e partindo desse pressuposto você vai ter algo como o que eu descrevo a seguir.

A Paixão é aquela criatura que você vê um dia, passando em frente a uma pet shop, a te olhar com aqueles olhos brilhantes. Irresistíveis, simplesmente irresistíveis. Você entra hipnotizado na pet shop, disposto a pagar qualquer preço pra levar aquele bicho pra sua casa. Mesmo que o limite do seu cartão vá pra casa do cacete. Mesmo que você saiba que é uma compra impulsiva e que isso vá te gerar custos adicionais. Você compra. Compra com prazer. E vai pra casa, todo feliz, com a criaturinha no colo, a te lamber a cara. Só que você nem repara que junto com a criatura, vai um monte de bugigangas, remédios, coleiras anti-pulgas, vermífugos, ossos de borracha e afins. Afinal, a Paixão é de raça, tem pedigree e requer cuidados mais do que especiais.

Passa o tempo. Você olha pra Paixão e vê que ela não é mais aquela mesma criaturinha engraçadinha que você viu na vitrine da loja naquele dia. Você não admite de pronto, mas no fundo você sabe que a Paixão te dá mais trabalho do que você esperava. É muito banho, é muita tosa, é muito remedinho. Uma hora é uma doença estranha, outra hora a Paixão tá estressada. Você trata ela bem, como sempre, mas parece que quanto mais você trata bem, mais merdas a paixão faz na tua casa.

Um dia você chega e descobre que a Paixão destruiu todas as tuas almofadas. Mastigou metade dos teus CDs. Engoliu o pen drive onde estava aquele trabalho que você fez durante um mês, e que por obra de São Murphy, só tinha backup até semana passada. Você começa a ficar meio decepcionado com a Paixão. Você não entende como uma criatura que você trouxe da pet shop com tanto carinho, pra quem você deu do bom e do melhor, se comporta daquela forma. Você deu a ela toda a atenção que se poderia esperar, todos os acessórios necessários para o bem estar da Paixão estavam lá... Mesmo que isso significasse que você tinha que comer pão com salsicha o resto do mês. Mas nada disso a satisfazia. Até que um dia ela se irrita sabe-se lá com que, e te morde. É, isso mesmo. Te morde. Mete os dentes na tua carne, arranca um pouco de sangue. Você olha pra ela e não a reconhece mais. Aquela criatura com olhos brilhantes que você viu na pet shop no que parece ser um dia há muito, muito tempo atrás não faz mais parte do quadro que aparece na sua frente. Você vê apenas uma criatura estranha, com os dentes arreganhados, estranhamente hostil, rosnando baixinho pra você. Como se você fosse um inimigo. Nesse momento, você simplesmente pega o telefone e começa a tentar arrumar alguém que queira ficar com a Paixão, porque com você não dá mais. Você sabe que se fosse uma pessoa um pouco mais cruel, consideraria chumbinho, mas esse não é o caso. Você quer vida, e de violência, basta o sangue que está escorrendo da sua mão.

Já o Amor, bem... Esse é outro caso. Normalmente, muita gente confunde a Paixão com ele. Muita gente mesmo. Em grande parte, é por culpa desse confundir é que existe muita desilusão nesse mundo. Muita gente boa, famosa, rica, poderosa e importante confunde, não é privilégio dos pequenos, pobres e desconhecidos. Mas o Amor, o verdadeiro, é muito particular. Ele é um vira-latas... Daquele tipo mais sem-vergonha, que pode passar ao seu lado várias vezes num mesmo dia sem que você ao menos dê por ele. O Amor é silencioso também... ele vagueia pelas ruas da cidade, normalmente de cabecinha baixa, procurando uma lata de onde tirar algo que comer. Ultimamente, ele anda magro, porque tem sido muito pouco alimentado. Às vezes, o pelo está meio sujinho... Uma vez ou outra ele aparece ferido, a despeito dos vira-latas serem forjados nas ruas como os mais resistentes guerreiros, que já nascem lutando pela vida, que como eu tenho o costume de dizer, é "feia, dura, e muito boa de porrada".

Então você vai vivendo sua vida. Nem lembra que o amor existe. Um dia ele aparece na frente da porta da sua casa. Muitas vezes, você não vai levar fé que ele é quem você pensa que é. Aquela coisa, pêlo sujo, olhar sofrido, cara de quem já viu dias muito melhores. Mas no olhar dele, em vez do brilho da paixão, você percebe alguma coisa mais profunda. Não dá pra dizer imediatamente o que é, você só sabe que é algo familiar. Na dúvida você acolhe o Amor. Os dias vão passando, e você aproveita os produtos que sobraram do período em que a Paixão estava na sua casa, dá um belo banho nele. Dá uma ração legal pra ele, e assim, meio discretamente você percebe que o danado do vira-latas mudou. Nem parece aquela figurinha estranha que parou na sua porta. Parece que ele adivinha o que você quer, ou o que você pensa. Você sai pra trabalhar, quando volta, ele não aprontou bagunça na casa. Só pula no teu colo e faz uma festa danada. E você começa a se sentir bem quando chega em casa, mesmo que seu dia tenha sido uma merda, mesmo que aquele contrato não tenha sido fechado e que você tenha tido que aturar o mau humor do seu gerente o dia inteiro. Alguma coisa começa a mudar dentro de você quando você pensa no pulguento.

Cada vez que você chega em casa e ele vem te receber com alegria, cada vez que você está de saco cheio com a vida, e ele vem e fica do seu lado no sofá e só deita a cabeça no seu colo com aquele olhar de quem entende tudo, você começa a lembrar do dia que olhou dentro dos olhos do Amor pela primeira vez, e começa a tentar descobrir porque ele te pareceu tão familiar. Você olha pra ele, o pelo bonito, aquela língua pendurada que faz ele parecer estar rindo pra você, aquela coleira supercara que convenhamos, fica muito mais bonita nele do que ficava na Paixão... De repente você começa a lembrar. Um dia quando você era bem criança, você teve um outro desses. Era vira-latas também. Mas era a coisa mais importante da tua vida. Era um Amor também. E você vivia num mundo em que Amor era a única linguagem que você entendia. Por isso que mesmo depois de todas as porradas que a vida te deu (e ainda vai dar, pode ter certeza), mesmo você quase tendo esquecido dele, quando você olhou pros olhos dele lá na frente da tua porta, com o pelo sujo e aparência de quem já viu dias melhores, ainda assim você sabia que já tinha visto aquele olhar antes... Não era o brilho da paixão, que um dia se transformou (como está destinado a sempre se transformar) em um nada. Era o reconhecimento do Amor, aquele vira-lata que você conhece, que te acompanhou e ficava perto de você quando você ainda estava aprendendo a andar, só pro caso de você se desequilibrar ele não deixar você cair e se machucar. Aquele mesmo, que ficava tomando conta de você no quintal, o próprio, que enfrentou aquele rottweiler pra te proteger, ficou todo machucado mas botou a fera pra correr. E você, olha pro safado do seu lado no sofá, e entende porque ele está ali, o que trouxe ele até a sua porta. O nome dele é Amor, e o papel dele é estar perto de alguém que como você consiga passar pelas aparências e pet shops da vida, e aprenda a ter olhos para ver. É só o que é necessário, porque como eu disse antes, ele passa pela gente todos os dias pelas ruas afora, mas nem todo mundo o enxerga quando ele está ali na nossa porta. Olhos para ver.

(Publicado no Recanto das Letras em 23/05/2007)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Não Sou Difícil de Entender


Eu não sou uma pessoa difícil de entender. Por mais complexos que sejam meus processos, ou por mais herméticos que pareçam meus pensamentos, eu tenho sim um manual de instruções. Ele tem umas oitocentas e trinta e três páginas, mas acredite, está tudo lá. Meu temperamento é tranqüilo, e até mesmo os dois irmãos gêmeos (tão diferentes em gênio) que compõem a minha alma concordam em ser tranqüilos na maior parte do tempo. Mesmo um deles sendo agitado e ansioso, e o outro sendo calmo e ponderado, ambos acreditam que quem está de fora não precisa, salvo raras exceções, seguir o ritmo das suas eternas trocas de lugar.

E eu sonho. Mas sonho pouco, em momentos especiais. Pra mim sonhar é algo feito por prazer, não por necessidade ou impulso. Meus sonhos são sempre bem destacados da realidade. Mundos à parte. E não gosto de misturar sonho com realidade, por achar que sonho serve pra inspirar, e não para iludir. Serve de ideal, é fonte de maravilha, e não uma rota de escape ou refúgio para fracos. Porque eu vivo mesmo é na realidade. E a realidade é na grande maioria das vezes dura, feia, e boa de porrada. Só o uso competente do material do sonho é capaz de amolecer, acalmar e embelezar um pouco a realidade. E eu não vou viver sonhando acordado, pois a vida bate mais forte em quem se distrai com fadinhas.

Eu acredito em ciclos de energias, acredito em vibrações, acredito em eletricidade, em química, em dimensões, e em coisas que ainda somos incapazes de entender. Acredito que damos nomes errados a algumas coisas. Acredito que damos mais valor a esses nomes errados do que à busca por conhecer os nomes certos. Acredito que se mata e se morre por nomes, por meros nomes que damos a energias que não entendemos. Por isso, me desfiz dos nomes. Olho com desconfiança quem dá nome pra tudo, e se arvora a saber todas as respostas. Prefiro me concentrar em minhas próprias perguntas. Elas já são mais que suficientes para esta vida.

E eu vejo, e eu sinto, e eu sigo navegando nesse mundo tão estranho. Há quem pense que eu vejo muito, há quem pense que eu sinto pouco, há quem ache que eu devia navegar por outras águas. Mas cada vez que eu sinto vontade de escrever, acontece a minha redenção. É o momento em que mostro que vejo o necessário, que sinto na exata medida, e que navego nas águas dessa corredeira que o meu destino deitou diante de mim. Ora cascateando por entre as mais mortíferas pedras, ora placidamente banhando as mais belas margens, mas sempre, sempre em direção àquele quente litoral que eu vislumbro nas horas em que sonho.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Auto-Ajuda

© 2008 - Márcio Anderson - todos os direitos reservados

Viver o hoje, seguir em frente
Não esperar por ninguém
Tentar não ser descrente
Procurar fazer o bem?

Quando o dia acabar,
Sentar no silêncio
Meditar?

Quem escreveu o manual
Que diz ser tão fácil
Ser feliz no mundo atual?
Quem é que me joga na cara
Essa auto-ajuda industrial?
Que guru prometeu?
Que mestre mandou?
Que gaiato lucrou?

É muito fácil quando se sabe
Ainda mais quando está definido
Antes que o dia se acabe
Eu quero ser bem-sucedido

Quero sucesso, quero riqueza
Iluminação delivery, na minha porta
Quero ter nada mais que a certeza
Do “ser feliz e nada mais importa”

Mas se tudo der errado, enfim
Se a minha iluminação não vem
Lançarei um método, escrito por mim
Me tornarei um guru, meu bem...

Venderei sabedoria escrita
Vou virar um mago do além
Escreverei de uma cultura antiga
E vou virar milionário também.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Despertando

Photo: Francesco Rachello

Não é mais sonho, é real
Quando abraço-te ao acordar,
E Sinto teu corpo, afinal
Ao alcance do meu tocar
E me perco em teus cabelos,
Sorvendo teu cheiro gostoso
Ser depositário dos teus zelos,
Que amanhecer prazeiroso...

Como um anjo lindo,
Os cachos em desalinho
Te vejo despertar sorrindo
E te faço mais um carinho...
Mais leve que o ar,
Teu sorriso me faz querer
E em meu corpo despertar
A urgência de me perder

Tão doce de olhar,
Em teu semblante em pleno gozo,
A certeza de estar guardado
Num coração precioso,
Que se bateu em procurar
Um coração, que como o meu,
Já, e tanto, quis encontrar
Uma união tal de vontades,
E vontade tanta de se entregar,
Que já não há mais meias-verdades,
E que nenhum adeus pode apagar.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Existem bons e maus avanços.

Em uma conversa recente, eu fui lembrado mais uma vez de o quão "inegável" é o avanço que o PT trouxe nos 8 anos de governo.

Imediatamente me lembrei da época em que fazia faculdade no RJ, morando em Petrópolis ainda. Passava por Duque de Caxias todos os dias no trajeto. Inícios dos 90's assume o governo da cidade o candidato José Camilo Zito. Pra não dizerem que estou sendo antipetista, o Zito diga-se de passagem, é do PSDB. Mas vamos aos fatos.

Quando Zito assumiu Caxias, a cidade era mais uma administrada no estilo "Velha política da Baixada Fluminense". Passava de mão em mão de políticos fisiológicos, espertalhões, do tipo que pega 100% do orçamento da cidade, aplica 10%, enfia 90% no bolso e sai assobiando. Daí que o citado novo prefeito tomou a esperta decisão de, ao menos em seu primeiro mandato, em vez de roubar 90% e aplicar 10%, ser discreto, e transformar essa discrição em diferencial de marketing político. Se roubasse só, digamos 40% e aplicasse 60%, que tal? Mesmo que se continuasse locupletando às custas da cidade, o investimento na melhoria do município seria inédito, algo que nenhum governo anterior teria feito (nunca antes na história dessa cidade... lembra algo, não?)

Assim, em pouco tempo, e a olhos vistos, a cidade se transformou. Comunidades que pleiteavam saneamento ganharam instalações de esgoto, ruas de terra foram asfaltadas numa quantidade inédita e até mesmo o crime na cidade sofreu um duro golpe, visto que o novo prefeito era notoriamente ligado a grupos de extermínio, que receberam um certo apoio para colocar a bandidalha pra correr, ou em última análise, pra morrer mesmo.

Aí, quando foram fazer uma pesquisa de popularidade do novo governante, não precisou-se nem de fraude eleitoral nem manipulação de dados... era óbvio que os 96% de aprovação que Zito teve em seu primeiro governo eram verdadeiros, refletiam mesmo o que a população pensava dele. Lembra um outro alguém por aí, não?

Para quem não tinha esgoto, calçamento e segurança é muito fácil alçar um cara à condição de santo. De salvador. De messias.

Mas vejamos... Em pouco tempo, após feita a fama, nosso personagem dessa história acabou por deitar na cama, como é de se esperar de qualquer político nesse país. Primeiro foi não aplicando mais tanto na cidade, fazendo com que o nível de roubo/aplicação de verba de sua gestão voltasse a ser mais semelhante ao de seus antecessores. Já que estava escudado por tanta aprovação popular, nosso amigo sentia-se seguro para não precisar fazer seu dever de casa com tanto afinco.

Outro fato comum no político brasileiro, foi que assim que estava com a vida arrumada, Zito procurou ajeitar a de sua família também. Tratou de alçar esposa e filhos a candidaturas para prefeituras de outras cidades da região, tentando convencer o povo de que se ele fez o que fez por Caxias, seus familiares iriam fazer o mesmo pelas cidades vizinhas. Todos sabemos que esse tipo de estratégia pode até dar certo pra família, mas pro povo, dificilmente dá.

- - -

Aí eu pergunto. De que adianta ficar louvando os "avanços" que Lulla promoveu, se o que mais avançou nesse país não foi nem a luta contra a fome, nem as conquistas sociais, mas sim a conta bancária do filho d'O Cara? Que avanço é esse que é feito na base de 50% pro país, 50% pro partido? Que avanço é esse que é resulta na compra de uma popularidade pessoal que permite milhares de falcatruas a mais num país que já tem tantas? Pra mim, é como comemorar um 5 na escola. É como dizer... "dessa vez o Barrichello completou a prova, chegou em 6º, vamos comemorar!"

Não comemoro, porque o que o Cara fez, é o que todo políticozinho brasileiro faz, seja de qual partido for. Só foi um pouco mais esperto pra fazer a fama... Agora vai entrar pra história deitado na cama, quem viver verá.

sábado, 18 de setembro de 2010

Mais Zé Dirceu Facts

• Quando vai ao inferno, Zé Dirceu gosta de discutir "estratégia de combate à oposição" com Pol Pot...

• Quando a Cuca era criança, a mãe dela costumava cantar "Nana nenê, que o Zé Dirceu vem pegar"

• Zé Dirceu fez o papel de Capitão Gancho na peça da escola, só que nessa versão era ele quem comia a mão do Crocodilo.

• O Leão da Receita Federal é o bichinho de estimação de Zé Dirceu.

• Zé Dirceu visita regularmente a Ilha de Lost. A fumaça, inclusive é originada das baforadas de seus Cohibas.

• O novo álbum de Luvesgo Santana tem a produção executiva (oculta, lógico) de Zé Dirceu.

• Zé Dirceu pinga Vodca no olho. A Vodca se transforma em água em menos de 30 segundos.

• Zé Dirceu sobre articulações: "As minhas eu faço. As dos outros, mando alguém quebrar."

• Zé Dirceu faz "Os Malvados" do André Dahmer parecerem meros amadores.

• Do inferno, Toninho Malvadeza sobre Zé Dirceu: "O bichim pode ser cumunista, mas é retado pa porra!"

• Se o PT fosse a vila do Chaves, Zé Dirceu seria o Pai do Kiko.

• Dilma soube o Terceiro Segredo de Fátima 10 min depois de Zé Dirceu ter uma conversinha amiga com a Santa.

• Na época da escola, a Loira do Banheiro tinha medo de Zé Dirceu.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Zé Dirceu Facts

• "Democracia" é a marca do papel higiênico que Zé Dirceu compra para o estoque dos comitês e sedes do PT.

• O quentão da festa junina do PT foi criado no dia que Lula esqueceu seu copo de pinga perto das costas de Zé Dirceu.

• Quando o abismo de Nietzsche olhou dentro de si mesmo, ele viu... Zé Dirceu

• Fidel costuma acender seu charuto apenas encostando ele nas costas de Zé Dirceu...

• Genoíno pergunta pra Zé Dirceu no fim do ano letivo, se deu pra passar. Dirceu responde que deu sim... um em cada joelho.

• O espermatozóide que viria a ser Zé Dirceu foi investigado em uma CPI pelo sumiço de 5 milhões de colegas seus.

• Quando vai ao inferno visitar os "companheiro", Zé Dirceu joga bocha com Stalin... usando crânios como bolas.

• Para Zé Dirceu, "liberdade de imprensa" é dar uma dura nos adversários, sempre que lhe der na telha.

• Zé Dirceu não é à prova de balas, mas por alguma razão misteriosa, elas têm medo de encostar nele.

• No jardim de infância, Zé Dirceu articulou nos bastidores pra impedir o jornalzinho da escola de circular.

• Quando Zé Dirceu chuta uma macumba em encruzilhada, o feitiço ainda volta pro pai-de-santo.

• Zé Dirceu teve uma discussão de bar com Chuck Norris sobre política. E sobreviveu.

• Zé Dirceu quando come acarajé, coloca lava de vulcão ao invés de pimenta.

• Quando se trata de Zé Dirceu, "fuzilar com os olhos" NÃO é uma mera figura de linguagem.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Comentando Textos Mulherzinha - Capítulo I

Já não é de hoje que eu tenho o costume de pegar aqueles textinhos anônimos escrito por alguma "Martha Medeiros Wannabe" que rolam aí pela internet, e retorno pra minhas amigas só pra pentelhar mesmo... Eis que dia desses recebi um e respondi, mas acabou que me lembrei de compilar pra colocar aqui... Segue a pataquada feminina debilóide, e após, os pontos importantes devidamente comentados.


"CONVIDANDO UMA MULHER PARA JANTAR:
Quando um homem chama uma mulher para sair, não sabe o grau de estresse que isso desencadeia em nossas vidas. O que venho contar aqui hoje é mais dedicado aos homens do que às mulheres. Acho importante que eles saibam o que se passa nos bastidores. Você, mulher, está flertando um Zé Ruela qualquer. Com sorte, ele acaba te chamando para sair. Vamos supor, um jantar.
Ele diz, como se fosse a coisa mais simples do mundo 'Vamos jantar amanhã?'. Você sorri e responde, como se fosse a coisa mais simples do mundo: 'Claro, vamos sim'.
Começou o inferno na Terra. Foi dada a largada. Você começa a se reprogramar mentalmente e pensar em tudo que tem que fazer para estar apresentável até lá. Cancela todos os seus compromissos canceláveis e começa a odisséia. Evidentemente, você também para de comer, afinal, quer estar em forma no dia do jantar e mulher sempre se acha gorda. Daqui pra frente, você começa a fazer a dieta do queijo: fica sem comer nada o dia inteiro e quando sente que vai desmaiar come uma fatia de queijo. Muito saudável.
Primeira coisa: fazer mãos e pés. Quem se importa se é inverno e você provavelmente vai usar uma bota de cano alto? Mãos e pés tem que estar feitos - e lá se vai uma hora do seu dia. Vocês (homens) devem estar se perguntando 'Mão tudo bem, mas porque pé, se ela vai de botas?' Lei de Murphy. Sempre dá merda. Uma vez pensei assim e o infeliz me levou para um restaurante japonês daqueles em que tem que tirar o sapato para sentar naqueles tatames. Tomei no cu bonito! Tive que tirar o sapato com aquela sola do pé cracuda, esmalte semi-descascado e cutícula do tamanho de um champignon! Vai que ele te coloca em alguma outra situação impossível de prever que te obriga a tirar o sapato? Para nossa paz de espírito, melhor fazer mão é pé, até porque boa parte dessa raça tem uma tara bizarra por pé feminino. OBS: Isso me emputece. Passo horas na academia malhando minha bunda e o desgraçado vai reparar justamente onde? Na porra do pé! Isso é coisa de... Melhor mudar de assunto...
As mais caprichosas, além de fazer mão e pé, ainda fazem algum tratamento capilar no salão: hidratação, escova, corte, tintura, retoque de raiz, etc. Eu não faço, mas conheço quem faça.
Ah sim, já ia esquecendo. Tem a depilação. Essa os homens não podem nem contestar. Quem quer sair com uma mulher não depilada, mesmo que seja apenas para um inocente jantar? Lá vai você depilar perna, axila, virilha, sobrancelha etc, etc. Tem mulher que depila até o cu! Mulher sofre! E lá se vai mais uma hora do seu dia. E uma hora bem dolorida, diga-se de passagem.
Dia seguinte.
É hoje seu grande dia. Quando vou sair com alguém, faço questão da dar uma passada na academia no dia, para malhar desumanamente até quase cuspir o pulmão. Não, não é para emagrecer, é para deixar minha bunda e minhas pernas enormes e durinhas (elas ficam inchadas depois de malhar).
Geralmente, o Zé Ruela não comunica onde vai levar a gente. Surge aquele dilema da roupa. Com certeza você vai errar, resta escolher se quer errar para mais ou para menos. Se te serve de consolo, ele não vai perceber.
Alias, ele não vai perceber nada. Você pode aparecer de Armani ou enrolada em um saco de batatas, tanto faz. Eles não reparam em detalhe nenhum, mas sabem dizer quando estamos bonitas (só não sabem o porquê). Mas, é como dizia Angie Dickinson: 'Eu me visto para as mulheres e me dispo para os homens'. Não tem como, a gente se arruma, mesmo que eles não reparem.
Escolhida a roupa, com a resignação que você vai errar, para mais ou para menos, vem a etapa do banho. Depois do banho e do cabelo, vem a maquiagem. Nessa etapa eu perco muito tempo. Lá vai a babaca separar cílio por cílio com palito de dente depois de passar rímel.
Depois vem a hora de se vestir. Homens não entendem, mas tem dias que a gente acorda gorda. É sério, no dia anterior o corpo estava lindo e no dia seguinte... LEITOA! Não sei o que é (provavelmente nossa imaginação), mas eu juro que acontece. Muitas vezes você compra uma roupa para um evento, na loja fica linda e na hora de sair fica uma merda. Se for um desses dias em que seu corpo está uma merda e o espelho está de sacanagem com a sua cara, é provável que você acabe com um pilha de roupas recusadas em cima da cama, chorando, com um armário cheio de roupa gritando 'EU NÃO TENHO ROOOOOUUUUUPAAAA'. O chato é ter que refazer a maquiagem. E quando você inventa de colocar aquela calça apertada e tem que deitar na cama e pedir para outro ser humano enfiar ela em você? Uma gracinha, já vai para o jantar lacrada a vácuo. Se espirrar a calça perfura o pâncreas.
Ok, você achou uma roupa que ficou boa. Vem o dilema da lingerie. Salvo raras exceções, roupa feminina (incluindo lingerie) ou é bonita, ou é confortável.
Você olha para aquela sua calcinha de algodão do tamanho de uma lona de circo. Ela é confortável. E cor de pele. Praticamente um método anticoncepcional. Você pensa 'Eu não vou dar para ele hoje mesmo, que se foooda'. Você veste a calcinha. Aí bate a culpa. Eu sinto culpa se ando com roupa confortável, meu inconsciente já associou estar bem vestida a sofrimento. Aí você começa a pensar 'E se mesmo sem dar para ele, ele pode acabar vendo a minha calcinha... Vai que no restaurante tem uma escada e eu tenho que subir na frente dele... se ele olhar para essa calcinha, broxará para todo o sempre comigo...'. Muito p... da vida, você tira a sua calcinha amiga e coloca uma daquelas porras mínimas e rendadas, que com certeza vão ficar entrando na sua bunda a noite toda. Melhor prevenir.
Os sapatos. Vale o mesmo que eu disse sobre roupas: ou é bonito, ou é confortável. Geralmente, quando tenho um encontro importante, opto por UMA PEÇA de roupa bem bonita e desconfortável, e o resto menos bonito mas confortável. FATO: Lei de Murphy impera. Com certeza me vai ser exigido esforço da parte comprometida pelo desconforto. Exemplo: Vou com roupa confortável e sapato assassino. Certeza que no meio da noite o animal vai soltar um 'Sei que você adora dançar, vamos sair para dançar! Eu tento fazer parecer que as lágrimas são de emoção. Uma vez, um sapato me machucou tanto, mas tanto, que fiz um bilhete para mim mesma e colei no sapato, para lembrar de nunca mais usar!. Porque eu não dei o sapato? Porra... me custou muito caro. Posso não usá-lo, mas quero tê-lo. Eu sei, eu sei, materialista do caralho. Vou voltar como besouro de esterco na próxima encarnação e comer muito coco para ver se evoluo espiritualmente! Mas por hora, o sapato fica.
Depois que você está toda montadinha, lutando mentalmente com seus dilemas do tipo 'será que dou para ele? É o terceiro encontro, talvez eu deva dar...' Começa a bater a ansiedade. Cada uma lida de um jeito.
Tenho um faniquito e começo a dizer que não quero ir. Não para ele, ligo para a infeliz da minha melhor amiga e digo que não quero mais ir, que sair para conhecer pessoas é muito estressante, que se um dia eu tiver um AVC é culpa dessa tensão toda que eu passei na vida toda em todos os primeiros encontros e que quero voltar tartaruga na próxima encarnação. Ela, coitada, escuta pacientemente e tenta me acalmar.
Agora imaginem vocês, se depois de tudo isso, o filho da p..... liga e cancela o encontro? 'Surgiu um imprevisto, podemos deixar para semana que vem?'.
Gente, não é má vontade ou intransigência, mas eu acho inadmissível uma coisa dessas, a menos que seja algo muito grave! Eu fico p..., p..., PU...da vida!
Claro, na cabecinha deles não custa nada mesmo, eles acham que é simples, que a gente levantou da cama e foi direto pro carro deles. Se eles soubessem o trabalho que dá, o estresse, o tempo perdido... nunca ousariam remarcar nada.
Se fode aí! Vem me buscar de maca e no soro, mas não desmarque comigo! Até porque, a essas alturas, a dieta radical do queijo está quase te fazendo desmaiar de fome, é questão de vida ou morte a porra do jantar! NÃO CANCELEM ENCONTROS A MENOS QUE TENHA ACONTECIDO ALGO MUITO, MUITO, GRAVE! DO TIPO...MORRER A MÃE OU O PAI TER UM AVC NO TRÂNSITO.
Supondo que ele venha. Ele liga e diz que está chegando. Você passa perfume, escova os dentes e vai. Quando entra no carro já toma um eufemismo na lata 'HUMMM... tá cheirosa!' (tecla sap: 'Passou muito perfume, porra'). Ele nem sequer olha para a sua roupa. Ele não repara em nada, ele acha que você é assim ao natural. Eu não ligo, porque acho que homem que repara muito é meio viado, mas isso frustra algumas mulheres. E se ele for tirar a sua roupa, grandes chances dele tirar a calça junto com a calcinha e nem ver. Pois é, Minha Amiga, você passou a noite toda com a rendinha atochada no rego (que por sinal custou muito caro) para nada. Homens, vocês sabiam que uma boa calcinha, de marca, pode custar o mesmo que um MP4? Favor tirar sem rasgar.
Quando é comigo, passo tanto estresse que chego no jantar com um pouco de raiva do cidadão. No meio da noite, já não sinto mais meus dedos dos pés, devido ao princípio de gangrena em função do sapato de bico fino. Quando ele conta piadas e ri eu penso 'É, eu também estaria de bom humor, contando piada, se não fosse essa calcinha intra-uterina raspando no colo do meu útero'. A culpa não é deles, é minha, por ser surtada com a estética. Sinto o estômago fagocitando meu fígado, mas apenas belisco a comida de leve. Fico constrangida de mostrar toda a minha potência estomacal assim, de primeira.
Para finalizar, quero ressaltar que eu falei aqui do desgaste emocional e da disponibilidade de tempo que um encontro nos provoca. Nem sequer entrei no mérito do DINHEIRO. Pois é, tudo isso custa caro. Vou fazer uma estimativa POR BAIXO, muito por baixo, porque geralmente pagamos bem mais do que isso e fazemos mais tratamentos estéticos:

Roupa........ R$ 200,00

Lingerie......R$ 80,00

Maquiagem.....R$ 50,00

Sapato........R$ 150,00

Depilação.....R$ 50,00

Mão e pé......R$ 15,00

Perfume.......R$ 80,00

Pílula anticoncepcional.....R$ 20,00

Ou seja, JOGANDO O VALOR BEM PARA BAIXO, gastamos, no barato, R$ 500,00 para sair com um Zé Ruela. Entendem porque eu bato o pé e digo que homem TEM QUE PAGAR O MOTEL? A gente gasta muito mais para sair com eles do que ele com a gente!"

Um sincero comentário masculino a esse apanhado de balelas:

Roupa - R$ 200,00:
Vejam bem, moças... se o cara perder mais tempo reparando sua roupa do que simplesmente a sua beleza ou o seu charme, ou suas qualidades, ou o seu papo, ou o seu par de... bem, deu pra entender, né... enfim! Pode esquecer... É viado. Tenha a mais absoluta certeza que qualquer roupinha legal que você já tenha será bastante apreciada, ou na pior das hipóteses ignorada, a não ser que você vá sair com ele vestida de Vovó Mafalda. Via de regra, aos olhos do homem, mulher só erra na roupa quando está tão desesperada pra acertar que acaba fazendo merda. Sem contar que essas 200 pratas aí só serão gastas se a moça quiser satisfazer um faniquito consumista.

Lingerie - R$ 80,00
Tá bom, todo homem que se preza conhece o valor prático de uma bela lingerie, mas nenhum homem que se preza valoriza MAIS a lingerie que o seu recheio. Portanto, a não ser que você seja uma tia velha encalhada desde a década de 70, é bem provável que você tenha um conjunto de lingerie apresentável na sua gavetinha. Deixa de ser fresca que isso é desculpa pra ir pro shopping sua insegura!

Maquiagem - R$ 50,00
Vale a mesma regra da roupa. Por mais que os para-choques de caminhão digam que 80% da beleza feminina saia com água e sabão, nós os homens de verdade ainda preferimos não termos que dar parte de vocês no Procon por propaganda enganosa. Portanto, se quiser usar maquiagem, use, mas saiba usar. Pegue leve. Temos certeza que aquele estojo basicão que vc tem em casa dá conta do recado. Afinal de contas, se rolar uma química e a coisa esquentar, é chato pra caramba ficar cheio de pó de arroz na língua ou acordar na cama do motel com um clone do Alice Cooper do nosso lado.

Sapato - R$ 150,00
Fala sério! Como se você não tivesse sapatos suficientes pra calçar uma boa parte dos pobres de Bangladesh, ou da Somália! Mulher tem psicose de bolsa e sapato. Esse papinho de sapato não tem absolutamente nada a ver com a nossa saída! Confessa, sua maníaca!!! Confessa que além do sapato você vai aproveitar pra comprar uma bolsa também!!! Anda!

Depilação - R$ 50,00
A gente até que gosta de encontrar o campo com a grama baixa... A gente até dá o maior valor pra uma área de lazer bem livre de qualquer cabelo. Mas lembre-se que existem várias formas de fazer isso, até em casa mesmo. E a não ser que a situação esteja num nível que dê pra fazer tranças, até se vocês apararem bem rente apenas, já é algo que pra nós denota cuidado e asseio, mesmo que não esteja 100% carequinha.


Mão e pé - R$ 15,00
Aqui tudo bem. Adoramos mãos e pés bem feitos. De preferência unhas não muito compridas e em tons que não chamem muita atenção. Decoração na unha, esqueça. Decalque de florzinha é punível com pena de morte.

Perfume - R$ 80,00
Fala sério que você não tem perfume em casa. Conta outra, que eu sei que você tá é doida pra ir pro shopping.


Pílula anticoncepcional - R$ 20,00

Filhota, você vai comprar pílula só pro caso da gente transar? Tá querendo enganar quem? Faz o seguinte, se você já não usa algum método contraceptivo, economiza sua graninha e deixa que eu uso camisinha. Não vai ser só porque você diz que toma remédio, que eu vou deixar de proteger meu patrimônio, certo?

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Nossa Senhora dos Cachorros

Hécate, por William BlakeAquarela1795Tate GalleryLondres.
Hoje me voltou à mente uma lembrança antiga. Fragmentos de um passado que já vai ficando distante. Era uma outra época, com outras cores e atmosfera distinta. E mais peculiar ainda é pensar na diferença do que sabia eu criança na última vez em que a vi, e o que sei hoje, adulto ao lembrar da sua imagem. Muitos a chamavam Maria-dos-Cachorros, outros de Velha-do-Cobertor, e ainda outras alcunhas menos frequentes. Mas quem era aquela pobre alma?

Andava pelas ruas, maltrapilha. Atrás de si, uma matilha de cães de rua a acompanhar. Roupas sempre em trapos, invariavelmente cinzentas. Um cobertor também cinza na cabeça, que em minha infância de garoto católico, me sugeria em sua imagem uma versão sem-teto de Nossa Senhora. Se fosse nos dias de hoje, facilmente poderia chamá-la de “Virgem Maria de Tim Burton” ou algo que o valha. Já sua comitiva de cães variava em número de época pra época, de três ou quatro até uns dez, onze. Ninguém sabia seu nome, nem local de nascimento, nem de que família poderia ter vindo. As histórias que se contavam a seu respeito eram tão fantasiosas quanto dignas de pouco crédito. De concreto mesmo, apenas sua perturbação mental, que não era lá das piores, visto que não era pessoa violenta, nem tampouco dada a alterações ou rompantes. Quando era deixada em paz, aparentava estar sempre com um jeito contente na companhia de seus amigos de quatro patas.

Quem a observasse um pouco mais percebia que naquela cidade, de forte imigração alemã, era bem provável ser essa sua origem familiar. Era alta, apesar de talvez pela natureza de sua condição, talvez pela dureza de sua vida de moradora de rua, andar com postura bastante curvada. Ou quem sabe fosse o costume adquirido de tanto se curvar para brincar com seus eternos companheiros? Seu rosto, além de bastante marcado pela vida dura, ainda trazia aqueles traços brutos e muitas vezes angulosos comuns a muitas famílias de camponeses pobres que chegaram por lá vindos da Europa no século anterior. Andava sempre de cabeça raspada, coisa que alguém providenciava que fosse feito de tempos em tempos, talvez num abrigo da prefeitura ou em alguma instituição de caridade por onde passasse atrás de comida. Provavelmente sofreria com piolhos caso não raspasse. Falava muito pouco, e articulava mal as palavras. Com certa pena lembro-me de ter ouvido sua voz com mais frequência ao responder com xingamentos às brincadeiras que alguns garotos lhe dirigiam, do que nas raras vezes em que passava perto e a percebi conversando amorosamente e de modo tão familiar com algum de seus amigos caninos.

Já li em algum lugar que as divindades que o homem cultuou no passado, à medida que perdem fiéis entre os povos que creem nelas, perdem também seu poder. Acabam se tornando sombras do que foram no passado. E hoje, ao lembrar da pobre mulher dos cachorros, não tive como escapar da lembrança da deusa grega Hécate. A deusa que enviava aos homens os terrores noturnos, as aparições de espectros e fantasmas. Também era venerada como regente de caminhos ocultos e tida como filha da escuridão da noite, por onde andava com sua própria matilha de espíritos caninos. Regia as encruzilhadas, invisível aos olhos dos homens. Nas suas andanças por nosso mundo, assim como a dona dos cachorros em minha infância, passava incógnita entre os senhores de bem. Apenas os cachorros a enxergavam. Contam as tradições que nas noites de lua nova, enquanto passava, os cães latiam para prestar-lhe respeito e saudação.

Depois de tanto tempo de passada a época em que tinha seguidores e crentes, Hécate não teria terminado seus dias como uma pobre moradora de rua, meio louca, mas incondicionalmente protegida, amparada e acompanhada por seus amigos de quatro patas? Afinal, depois de cerca de vinte e cinco séculos, foram eles os únicos fiéis que provaram ser continuamente dignos de seus carinhos . Não é à toa que duas coisas me parecem muito claras hoje em dia, mesmo após tanto tempo ter passado, e eu ser apenas uma criança na época. Uma é como os panos cinzentos, o cobertor na cabeça inclusive, estranhamente combinavam com sua mal ajambrada figura. E outra, por mais que ela fosse considerada uma louca ou deficiente mental, ao conversar com seus únicos amigos, exibia uma serenidade e firmeza na voz que eram inexistentes quando se dirigia a algum de nós, simples mortais. Quem sabe não é assim que terminem as divindades esquecidas... Vagando por aí sem poder e sem glória, mas ainda assim envoltos em mistério.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O Tribal falando do Primitivo

Hoje estava eu a caminho do trabalho, passei pelo famoso e ao mesmo tempo famigerado mercadão da Uruguaiana. Volta e meia eu passo por ali dependendo do transporte que eu pegue para ir pro trabalho, acaba sendo um caminho costumeiro.

Me chamou atenção um fato. Dia desses num fórum onde participo apareceu uma discussão meio filosófica a respeito de religião, e coisas associadas. Em certo ponto do debate, alguém utilizou para defender uma corrente protestante que seguia um exemplo onde afirmava que religiões afro-brasileiras são tratadas como "manifestações culturais" enquanto que os protestantes de sua denominação são execrados pelos seus cultos. A pessoa insistia no teor, digamos tribal das religiões afro-brasileiras, na questão do sacrifício de animais, na magia negra e sugeria até a questão de morte de pessoas em rituais. A questão seguiu adiante no tópico do fórum, mas algo que vi a caminho do serviço hoje me fez voltar a pensar no assunto.

Em uma daquelas barracas de crenteware do mercadão, uma TV de LCD instalada de frente pra rua passava um DVD. Digo que fiquei tão espantado com o que vi, que não me lembrei de procurar saber o nome da cantora, ou pastora, ou seja lá qual fosse a função da moça do vídeo. O clipe que assisti retratava um momento em um show em que o auge da coisa acontecia, o que eu conheço lá dos primórdios da minha educação religiosa como talvez "receber o espírito santo", ou qualquer que seja o nome que eles dêem a isso em sua seita. Mas não foi esse o ponto que chamou minha atenção. A forma com que isso acontecia, e a forma como a moça se comportava, como conduzia a cerimônia e colocava a voz, era tão semelhante a uma possessão, a um ritual primitivo, que se suprimissem os termos específicos da religião, aquilo poderia ser interpretado da mesma forma que uma possessão em uma religião afro-brasileira, ou qualquer outra forma de transe tribal de religiões consideradas pagãs ou primitivas.

Me causou espanto o paradoxo de que, alguns religiosos se achem mais certos que outros, façam uma campanha incessante para difamar uma outra religião, dediquem tempo em cultos e programas de tv para tentar arrebanhar fiéis advindos de outras igrejas, mas ironicamente tenham práticas e ritos tão semelhantes. Digamos que tive meu momento de pensar "Dancem macacos, Dancem"