quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Preparação

© Dragonfly Images

Não houve a intenção,
Ó bela interlocutora
De passar essa impressão,
(ainda que sedutora)
De ser tão autossuficiente,
Ou de ser tão autocrente,
(Crente que já sou gente)
E o mundo que me agüente?

Não...
Não foi essa a intenção.

Não foi por certo ou calculado
Ter nascido tão fadado
A incomodar pelo que digo
Mesmo quem não é inimigo...
Não foi de caso pensado
Ter sido assim moldado
Pelos erros e acertos passados
E desses eventos ser resultado

Não me é motivo de vergonha...
Mas de orgulho também não é
É só o caminho das coisas
É por onde andaram meus pés

Não me vejo contando vantagem
Nem preciso ser humilde demais
Sou apenas um sujeito em viagem
Rumando de cais para cais
E se não parei muito na maioria,
Não foi por falta de vontade
É que nem sempre o lugar me queria
Eu estar lá não era necessidade.
E sem ressentimento eu partia
Me dirigindo pra outra cidade,
Onde houvesse alguém que sorria
Ao me ver aportar com saudade.

Depois de muitas viagens eu digo
Que não sou, nem me acho, não
Tenho no peito batendo um amigo
E na cabeça, funcionando um irmão
E digo, tudo que aconteceu comigo
Nada mais foi, que uma preparação.
Para o quê? Ah, mais tarde eu te digo.
Antes, vem aqui e me dê sua mão.

Cômico Cosmos

© NASA
Desci até os confins de meu ser
Embrenhei-me entre ossos,
Nervos, tecidos
Diferentes ou parecidos,
Desci ainda mais,
Desci demais.
Passei da alma,
Passei da palma...da mão
Passei muito, muito mais
Vi um átomo correndo
Resolvi correr atrás
Acompanhei-o
Ao pub das Moléculas,
Elétrons Prótons, Táquions
Simpáticas, Subatômicas partículas
Receberam-me bem
Conversaram comigo
E me mandaram além.
Disseram que no espaço
Após desfeitos os laços
Além do princípio,
Além do fim,
Havia uma resposta pra mim,
Então eu fui. Desci mais e mais
Virei a realidade ao avesso,
E o que encontrei atrás?
Nebulosas,
Cometas,
Galáxias frondosas...
O velho universo de sempre,
Que deu a volta na existência
E no espelho das aparências
Fechou a curva da infinidade,
E me mandou de volta pra casa
Me sentei num meteorito,
Descansei, (e cansei de dar risadas)
Pensando em como é bonito
Procurar em largas passadas
Vagando pelo infinito
Resolver algum mistério,
Quando não sei nem a sério
Pescar Deus, e suas piadas!

Publicado no Recanto das Letras em 18/05/2010

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O Bem-Entendido

© Travelpod.com

Há coisa de um momento
Eu não queria mais sentir.
Questão de instantes,
Em que só queria fugir
Deixar pra trás essa terra
Essa cidade, escapulir
Dessa gente que só erra
Que só sabe se distrair...

Há menos de um minuto
Eu queria mais que tudo
Poder tirar o traje de luto
Essa minha roupa tão sóbria
Toda a desculpa que me sobra
Pra não virar um prostituto
Pra não me perder como eles
Abandonar meu olho arguto
E amansar meu instinto feroz.

Há pouco menos de um instante
Abandonei meu modo educado,
Eu deixei de ser um galante,
Que ficava incomodado
Com os modos deselegantes
Dessa gente tão barulhenta
De coração tão arrogante
Com consciência tão curta,
E insegurança gritante.

Mas uma fração de segundo passada,
Numa visão, num lance de vista
Cortaram meu sono à espada
Chamaram meu nome na pista...
E tive que voltar à arena,
Não pra lutar, mas me perguntaram
De que tão cansado eu estava,
Que tipo de ferida me causaram
E de que tormentas me afastava.

Numa troca de olhares cansados
Brilhando o desejo de afastamento
Dessa multidão de humanos errados
E numa busca por mais entendimento
No final luminoso de uma certa tarde
Os dois olharam numa mesma direção
Sem menor escândalo, sem nenhum plano
Quietos, qual a batida de um coração
Entenderam, há todo um mundo de engano..
Mas de bom mesmo, só uma intenção.

Então sorriram, e deram as mãos.

Publicado no Recanto das Letras em 28/12/2010

Resoluções de Ano Novo

© Google

Bom dia, muito obrigado pela atenção
Desculpe incomodar o silêncio da sua viagem
Trago aqui na promoção
Um pouquinho da minha verdade,
E um panorama da sua ilusão.

Aqui, só aqui na minha mão,
Tenho a mesma ambição que você
Aí fora custa muito mais,
Só vocês é que não podem ver.

Por isso essa minha cara de fome
Por isso essa minha falta de jeito
Mas eu sou sujeito homem,
Não querendo lhe faltar o respeito,

Vim dizer que eu quero mais
Muito mais do que eu tenho agora
Quero tudo que deixaram pra trás
Quero tudo que vocês jogam fora.

Quero tudo, sem pudor nenhum.
E se for pra sobrar, que me sobre algum.
Eu podia estar roubando,
eu podia estar matando, mas não.
Estou aqui, humildemente
Pedindo sua atenção.

O que eu quero não é nada demais,
Quero o carro que seu filho bate toda semana
E não me xingue, não me odeie mais:
Quero a grana que sua filha gasta com pó,
O “din-din” do whisky e da pílula, aliás
Que a senhora usa pra não se sentir tão só.

Quero aproveitar o que eu posso
Com as coisas boas que vocês tem
Porque mesmo isso não sendo nosso,
Vocês não sabem usar também...

Vou desperdiçar a minha educação
Enquanto me botam pra fora da lotação.
Mas não se incomode, um dia eu volto.
E não se espante se eu me revolto.
É que cansei da incompetência de vocês
De sentar na janela e não saber usar a vez.

Menos preguiça, menos, menos
Menos atropelo. Mais zelo, mais, mais.
Mais cuidado, concentração.
Mais sentimento, mais paixão.

Que caia do céu, não tenho vergonha
Direi para todos: sou aquele que sonha
Mais dinheiro? Mais, mais, mais mesmo.
Sabes que não vou gastar a esmo.

Mas agora eu vou partir
Agradeço pela atenção
Espero que o meu pedido
Encontre compreensão
E amanhã, numa virada de um outro ano
Eu já não esteja mais aqui,
Que eu já seja considerado um ser humano.
Com direito de cantar e sorrir.

Publicado no Recanto das Letras em 01/01/2009

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Autoestima

© building-self-esteem.net

Ter autoestima, é ter por si
O mais profundo respeito,
É no silêncio, o coração
Batendo calmo no peito
Sem precisar de afirmação,
Reconhecer-se com valor
E o amor por matéria prima,
Construir-se então daí.

Autoestima é tesouro guardado,
É renda, provento, é garantia
É ter segurança, um resguardo
De qualquer tormenta vizinha

Autoestima, é serviço prestado
A si, e à realidade que te encerra
Quem tem consigo ‘se termo quitado
Dificilmente até, com os outros erra.

Autoestima, é valoroso penhor
Necessário à alma, educação
Pois na cartilha de todo amor
Autoestima é a primeira lição

Publicado no Recanto das Letras em 19/09/2010

O Calor Não Gosta de Mim


© TheMuttRoom.com

Não faz calor. O que sinto é algo que ultrapassa a definição de calor. O apocalipse existe, e se parece com um forno. Os poucos sobreviventes correm de um lado para o outro em busca de um ar-condicionado ou, na pior das hipóteses, de uma pouco eficiente sombra. É um período de suor, de gente estranha, de correrias sem sentido e sorvetes derretendo tristemente antes de serem consumidos. Às vezes eu observo as montanhas lá na frente, circundando pacientemente a cidade desde sempre, cobertas com aquele verde. Sinto vontade de estar no meio daquele mato, enfiado numa cachoeira qualquer, desfrutando da água gelada até acabar essa estação inclemente. Confesso que o verde das montanhas não me parece tão belo quanto o da minha terra, porque o vejo através daquela névoa amarelenta da poluição, que sobe centenas de metros acima do chão, fazendo um triste degradê com o azul do céu.

Meu organismo de ser das montanhas não comporta tanta agressividade de temperatura. Não aceita esse abafamento sórdido e tampouco se acostuma ao calor que profana até as noites. As noites são regiões em que desde sempre, instalou-se em meu imaginário e em meu coração um friozinho ameno, um agradável incentivo à procura por um aconchego, seja ele qual for.E no calor inclemente de um verão que mal é chegado, percebo que há muitas conexões simbólicas a serem feitas. É um calor que emperra pessoas e instituições. É um calor que incentiva a fuga, a irresponsabilidade e a falta de compromisso. É um calor que penetra no DNA de toda uma espécie. Um calor que incita ao engano e à trapaça. Um calor que chega cedo, come muito, causa prejuízos, vai embora tarde e sai sem pagar.

Mas não é justo dizer que o calor é o culpado por tudo. Apenas me compadeço daqueles cuja vida não pode parar por causa da simples chegada do calor. Tenho mais reservas com aqueles que engolem com facilidade o marketing e a venda de conceitos de prazer e diversão que a chegada do verão oferece. A avidez pelo não-trabalho, pela não-produção, pelo ócio eterno. Sempre me surpreendi ao ver como se reclamava da chuva, do frio e de dias cinzentos, ansiando por um clima que só pode ser aproveitado adequadamente por quem não tem obrigações e responsabilidades. Jamais achei que o verão não devesse existir. Tenho ótimas lembranças de ótimos verões.

Não me dou bem organicamente com o calor, mas diferente dos seres estranhos que povoam este planeta, consigo ver a mesma estranha beleza na água de uma praia tranqüila brilhando gentilmente no sol do fim da tarde e no descer suave de uma névoa matinal sobre as montanhas, num dia de inverno na serra.  Consigo amar igualmente a beleza dos vestidos e a soltura dos corpos das moças no verão, e o indescritível prazer de se aconchegar procurando o calor num dia de inverno, onde o brilho de um olhar e o toque de um nariz gelado podem ser o prenúncio de inúmeros bons momentos. Gosto do vento, gosto do sol, gosto da chuva, gosto do azul, gosto do cinza sobre o verde. Gostaria até do calor, mas infelizmente, o calor não gosta de mim.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Antes de Içar as Velas

"Arrastão à Tardinha" de Lucio Quental

Às vezes nos surpreendemos girando gentilmente nas águas de um turbilhão de compromissos, obrigações, prazeres, encontros, sorrisos e pequenos e agradáveis desesperos. Alguns de nós acabam conseguindo apertar o botão de pause num desses momentos para poder descansar. Enquanto isso o corpo continua pilotando o caiaque que desce essa corredeira na qual nossa vida se transforma em certas épocas. Na maioria das vezes é tranqüilo, em outras não. Algumas vezes temos que correr lá e tomar o controle. Voltar ao foco se não a gente se perde no meio das pedras, ou toma um caldo aqui ou ali.

Hoje tirei uns 5 minutos pra pensar nisso. Sinto saudade da época que o tempo passava na sua velocidade real. Fiquei nostálgico do tempo em que um sábado parecia eterno pra mim. Quando um fim de semana era uma eternidade a se explorar. E nesse festival de analogias e metáforas aquáticas, de tanto pensar, acabo encontrando meu coração no meio do caminho. Pensar sobre sentimentos. Sentir sobre pensamentos. Eu tenho afeição por pensar, sinto carinho por desenvolver um assunto na cabeça. Mas me assusta a rigidez das filosofices. Se filosofar é rigor, é regra, é engenharia com pensamentos, acabei me afastando disso. Há quem goste, há quem faça bem, há quem nasceu pra tanto. Quero pensar de forma artística mesmo.  Desenhar pensamentos. Pequenas aquarelas coloridas com lembrança. Fotografar as mil faces da ilusão, os mil tons do amor, as mil formas da amizade. Fazer esculturas com a massa cinzenta que anda tão mal utilizada ultimamente.

Mas no final, tudo se resume a navegar. Quando o caiaque termina de descer as corredeiras, vai chegando mais perto da foz do rio. Abre-se diante de nós aquele enorme estuário das possibilidades, cercado do mangue ao mesmo tempo riquíssimo e assustador do amanhã. Nessa hora é necessário pensar, sentir, e saber. Tudo ao mesmo tempo. Nessa hora, o preparo é o que separa os amadores dos profissionais. O mar aberto está logo ali, logo depois da próxima curva. E se atirar numa aventura no mar aberto é de um prazer assustador, mas todo navegador sabe que é burrice fazer isso sem uma boa embarcação. Sem bons mapas, bons instrumentos e suprimentos. O mar é imprevisível, ninguém que vai a ele sabe com certeza de sua volta. Mas estar bem preparado é prerrogativa de quem quer não só a aventura, mas todos os maravilhosos proveitos, aprendizados e experiências que podemos tirar dela. Atire-se na jornada, mas cheque seu equipamento antes, por bem do seu próprio prazer e felicidade.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A Ilha das Coisas Selvagens

 

Where the Wild Things Are (2009) Copyright © Warner Bros. Pictures.

Cada vez que eu cometia um erro
O anjo morria um pouco em mim
E o menino-fera ficava mais forte.
Uma espécie de desterro,
Começava a acontecer assim
E errar passava a ser meu esporte.

Sempre que eu percebia reprovação
Mais triste ficava, e mais errava.
E do erro a fera se alimentava.
Era um caminho sem outra opção,
Essa estrada pela qual eu andava.
De mim nada bom ninguém esperava.

Mas ainda existia por baixo de tudo
Da roupa de lobo, de focinho pontudo
Um resto do anjo que esperava ser salvo.
Infeliz, que um dia, por erros a mais
Fui condenado, e fugi para o cais.
Naveguei ao horizonte, fugi de ser alvo.

E cheguei numa ilha das mais estranhas
Onde moravam feras de grandeza tamanha,
Mas simples e toscos, cada qual a seu jeito.
Me admiraram justo por meu selvagem ser
E ser como eles, nos domínios de seu parecer
Me trataram por rei, me prestaram respeito.

Mas senti que eles não eram de verdade.
Eram parte de mim, eram meus sentimentos
Cada qual em forma de monstro encarnado.
Eram todos soma de pureza e maldade.
Eram básicos, imperfeitos estranhos tormentos
Retratos perfeitos de quanto fui descontrolado.

Precisei dominá-los, ou ao menos convencer
Com muita diplomacia, me fazer entender,
Para sair vivo da ilha e não ser devorado.
E voltei para casa, com a alma cansada de doer
E um sentimento novo no coração a bater
E os sentimentos que deixei para trás, dominados.

Na minha volta encontrei mais calor e alegria
Aprendi a trabalhar naquilo que me cabia
E a ter responsabilidade não só por pensar.
Trouxe da ilha a lembrança de tudo que sentia,
Tudo que gostava e o que não me servia,
E aprendi, finalmente a tudo isso equilibrar.

Rasguei as vestes de menino-fera,
Como anjo apareci, com experiência aprendida
Deixei os farrapos pra trás,  e de repente
Todos perceberam, mesmo sem espera
A fera deixou a marca da própria mordida
E naquele momento, de fera, voltei a ser gente.

Publicado no Recanto das Letras em 16/06/2010

(Livremente inspirado no Livro / Filme "Onde Vivem os Monstros")

sábado, 11 de dezembro de 2010

Buscas



Tem dias que meu coração
Fica num estado tal,
Tomado de tanta emoção
Algo fora do normal

Tem horas que chega doer
Ouvir uma música bela,
Ler num livro algo bonito
Ou apenas parar, e pensar nela...

Em outros dias, meu coração
É víscera, é animal
Em estado de agitação
Uma fera, um ser primal

Tem horas que é afiado
Tem jeito de vidro partido
Como por aço ou ferro forjado
Por vezes fere, ou é ferido

Uns dias meu olhar captura
A mais singela das cenas
E ali, no peito a segura
Pra não esquecer, apenas.

Uns dias, vejo só a dor
A minha, a de quem passa perto
Da solidão, da falta de amor
Das surpresas, ou do incerto

Uns dias, trago o mundo na alma
E uma flor em minhas mãos
A música que as feras acalma
No olhar trago pronto o perdão

Em outros, sou puro tormento
Advogado, juiz, júri, executor
Não sei de nada, só do momento
Nada me tira desse torpor

E chega um dia em que nada sou
Despido de tudo, até de mim mesmo
Olho pra trás, para quem me amou
Alcanço no mais profundo do meu ser
E pergunto, “quem, quem mesmo eu sou?”
O passado olha minha face triste
De joelhos, me curvo ante o vazio infinito
Mais uma vez pergunto, as mãos em riste
O céu responde, num vento aflito

Cinzento, escuro o ar abafado
Eu na terra, por formigas rodeado
Sinto o cheiro molhado do chão
E começa a chover então...

O mundo me troveja respostas
Gotas de verdade caem em mim
Não nasci para virar as costas
Nem pro que é bom, nem pro que é ruim

Essa é a minha sina, a minha missão
Andar, esperar, fazer o que puder
Agarrar se estiver ao alcance da mão
Ofertar um sorriso a alguém quando der

Procurar o meu próprio Deus pessoal
Com meu jeito, meu pleito, minha feição
Esperar que a paz venha um dia, afinal
E amar, e escrever, e fazer disso oração.


Publicado no Recanto das Letras em 17/09/2009

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Lembranças do Amanhã

London Eye - ©Paulo Nogueira

Lembro-me do futuro
Da cor da camisa que usaria
De não estar em cima dum muro
Lembro-me de uma certa alegria.

E me lembro naquele futuro
Do perfume de coisas belas
De sentir-me calmo e seguro
De esperança em cada janela

Houve tempo em que tive saudades
Do futuro que eu muito queria ter
Um futuro de perfumadas felicidades
Um futuro impossível de esquecer.

Tive tanta, tanta saudade
Daquele futuro brilhante
De uma bela e grande cidade
Quem sabe, um país distante

Mas como todo futuro pensado
Ele acabou ficando pra trás
Acabou se tornando passado
Sem o que, nem porque mais...

E vieram tantos, e frios presentes
Urgentes e insistentes agoras,
Que mesmo a esperança resistente
Sentiu-se fraquejar naquela hora.

Momentos reais, perdas, esperas
Eu vivendo a roda viva da vida
Trancado na jaula das feras
E sem futuro para uma acolhida

Mas passado um momento, e tudo mais
Li em algum lugar uma frase
Quem sabe em revistas, talvez em jornais
Dizia que até o presente é uma fase,
E que a poesia, estando instalada
Se tornava o fiel da minha balança
Nas mãos do poeta, tal qual espada
Ou talvez até uma lança
A empunhar palavras,
Num campo de batalha
Com seu olhar puro,
Poeticamente trabalha,
Para lembrar-se do futuro.

Publicado no Recanto das Letras em 08/12/2010

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Um ano em poucas palavras...


Há tempos que não paro para escrever sobre o presente. Há um certo tempo que não parava para olhar para a minha rotina e para contemplar de fora da cabine de comando essa nave desembestada que é o meu ser. Desde que tive que mudar de casa, mudar de bairro, mudar de vizinhança, me virar com tudo isso e adaptar, e me adaptar, vinha até esquecendo de olhar para o resto das coisas que compõem a minha vida. Agora o fim do ano se aproxima, este ano estranho, bagunçado e cheio de perguntas ao qual deram o número de 2010. Esse ano que começou como um simples resto de 2009, que por sua vez foi o que sobrou cuspido de um 2008 mastigado. Esse dois mil e dez que foi nada mais que a tradução de uma esperança de melhoras em vários aspectos, mas que me provou que nada melhora e nada muda se eu não me mexer. Por mais difícil que seja. O ano anterior, foi feito basicamente de escombros econômicos de uma crise que parece ter afetado só a alguns países do hemisfério norte e mais a parte da minha carteira onde ficam as notas. Foi construído em cima de tentativas e erros de sair-se de um problema enfrentando outro, mas ainda assim foi um ano corajoso, um ano de fechamentos e um ano de conclusões. Houve enganos, mas também houve esclarecimentos. Apareceram promessas, algumas se cumpriram, outras não. Algumas com tranqüilidade, outras doeram mais um pouco. A maioria delas só serviu pra jogar um pouco mais de concreto na mistura dos meus sentimentos. Mas sobrevivi e cheguei a este ano que corre...E corre... Corre muito.

Tudo que aconteceu na virada da maré, toda a necessidade de mudança, de sacudir a estrutura, de me livrar de um ambiente no qual eu tinha escrito uma história há muito cancelada, tudo isso aconteceu, ainda que um pouco atrasado, na hora certa pra mim. Aquela sensação de urgência, a adrenalina do “quase não dá”, o quase fechamento de negócio com uma imobiliária que fez meu picaretômetro apitar, e o aparecimento de uma oportunidade quase perdida em outro lado aparentemente mais honesto, tudo isso veio com o sabor dos grandes e clássicos imprevistos que já se tornaram a matéria-prima dessa minha peculiar vida. Arrumei casa, a tempo, me livrei dos inquilinos, dos problemas crônicos do prédio antigo, e de quebra deixei pra trás um universo de lembranças muitas vezes desnecessárias. E mais. A despeito de vários conselhos cautelosos e coerentes recebidos, consegui fazer tudo do meu jeito. Determinadamente quase não dando. Mas com minha vontade férrea de fazer o que queria, mais uma vez atraindo magneticamente pra minha realidade o melhor possível na situação em que me encontrava. Com o passar do tempo, cansei de ser teimoso e passei a dar crédito à minha própria teimosia. Aprendi a empregá-la a meu favor. E quando ela se transforma em magnetismo, eu deixo. Atrai coisas boas para mim. Assim tem sido desde então, a segunda metade deste ano está se passando em novos ares, não tão dados a exuberâncias e delírios de consumo de classe média-alta, porém mais enxutos. Tanto financeira quanto espiritualmente. Assim como na moradia, na mudança (nossa, quantas coisas velhas coloquei pra doação, joguei fora, ou vendi) estou aprendendo a eliminar supérfulos. Sejam eles materiais, sejam energéticos. Isso tem me feito mais feliz.

Falando em felicidade, não é por acaso que deixo essa nota por último. Talvez eu tenha demorado a perceber, nessa correria em forma de ano, nesse período de pouquíssimos e rápidos meses que tentam me convencer que são doze, que à medida que a situação prática da minha vida ia sendo arrumada, ou ao menos reorganizada, eu meio que de propósito, meio sem querer, fui deixando a velha procura de lado. As incongruências que são tão boas como material para poesia, que floresceram no solo fértil em encontros e desencontros do ano passado, nesse ano foram menos aceitas. Acabei deixando-as um pouco de lado e descansei o velho coração. Findo o meio do ano, findo o último engano, finda a brincadeira, ao mesmo tempo em que procurava casa nova, botei o coração pra lavar. Tirei da máquina, sacudi e pendurei no varal pra secar. Coitado. Quase o deixei esquecido no apartamento antigo. Quase, por pouco não me mudo pra casa nova sem ele. Mas acabei lembrando, sem dar muita importância, mas lembrei. Não que não me seja caro, não que não me fosse importante, mas naquele momento, o melhor a fazer era deixá-lo quieto por lá. Tinha muito trabalho a fazer, muita coisa a arrumar e nos momentos de lazer, eu realmente não precisava dele. Qualquer pessoa que já tenha apanhado um mínimo nos ringues do sentimento saberá do que falo.

Mas eis que o tempo passa, e ele sente vontade de ser usado novamente, como roupa limpa e passada pendurada no cabide. Procurei uma solução muito comum, porém pouco tentada. Procurei um ambiente onde pudesse oferecer e também exigir um mínimo de observação prévia, um ambiente controlado. Já tinha cansado de viajar milhas para levar tiros à queima-roupa. Se fosse para morrer à bala, que fosse perto de casa. Escrevi minhas condições, pendurei na parede, e deixei para apreciação pública. Se eu disser que não esperava nada, estarei mentindo. A princípio, é bem claro que realmente, tudo que eu esperava passou pela minha frente. Um ou outro olhar, um ou outro conversar, um ou outro interesse, mas nada diferente do jogo que eu já via sendo jogado há muito tempo. Nada que me fizesse pensar em coisas novas. Nada que minha mente não conseguisse mapear em 10 segundos. Nada que me desse vontade de perguntar ao menos um porquê. Mas, como em toda boa história, quando eu menos estava esperando... Apareceu algo que me fizesse pensar em coisas novas, que eu não consegui mapear em 10 segundos e me deu vontade de perguntar vários porquês. Apareceu alguém que abordou não só minha pessoa mas a minha proposta. Apareceu alguém que falou uma língua que eu entendia de ouvido, sem precisar ligar o filtro tradutor de jogos e intenções ocultas. E de repente eu tive a sensação de me refrescar com isso, em pleno início de verão, como um mergulho na cachoeira depois de meia hora de trilha. A velha curiosidade não só apareceu, mas foi manifestada do lado de lá também. E eu me vi no espelho, um dia depois, com a cara mais relaxada do mundo, banho tomado e barba feita, pronto pra tudo, e ao mesmo tempo para qualquer coisa e coisa alguma que acontecesse. Eu me vi seguro mesmo antes de saber que poderia, se deveria. Acompanhanei uma belíssima tarde azul até o seu final, disposto a investigar uma séria suspeita de descoberta de pedra preciosa. E minhas suspeitas se confirmaram, constatei a boa procedência e qualidade da gema. Foram mais de 6 horas da mais minuciosa análise, e um grau de qualidade aferido e testado além dos prognósticos. Perguntei coisas para saber respostas para elas e para outras perguntas. Descobri nuances e colorações dificilmente encontrados numa mesma situação antes, e me surpreendi ao perceber propriedades que já não mais julgava existentes no mercado. Me entreguei com prazer e animação em conhecer minha jóia recém descoberta. Naquele dia voltei pra casa seriamente impressionado. Mesmo depois de um tempo sem uso, meu coração me avisava que ali poderia haver uma boa oportunidade. Comecei a deixar depois de muito tempo que ele chefiasse a investigação, cujo resultado final seria obter permissão para gravar nele, em meu coração, mesmo tão prematuramente (muito mais que o costumeiro) o nome dessa preciosidade recém-descoberta: Clarice. E assim foi gravado. E vejam, antes desse ano tão espetacularmente peculiar terminar.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Antagonismos

 

Antagonicamente,
Minha mente
Se Divide...
Se exprime,
Se expande
Se comprime,

E explode.

Antagonicamente,
Agora não mais...
Meu coração
E meu pensamento
Firmaram acordo
Em certo momento
(Senão eu morro)
E assim sucedeu.

Antagonicamente,
O mundo nasceu
E continua a girar
Mas não mais eu:
Em acordo que estou,
Procurei me tornar
Uma força no mundo
E os antagonismos
Como cavalos, montar

Ou pretos ou brancos
Na real, não importa
Trotam sobre prantos
E cavalgam revoltas
São veículos perfeitos
Pro que levo no peito
E pra minha intenção
De conduzir seguro
Seja nova invenção,
Ou sentimento puro.

Antagonicamente,
O mundo é assim,
Todos nós, tal o são
E procuro pra mim
A deliciosa missão
Semear, tal delicado jasmim
No chão do pensamento,
E nascer perfumado, o amor
Na lida dos meus sentimentos.

Publicado no Recanto das Letras em 31/05/2010

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Diferente de Quem, Cara-Pálida?


Não lembro bem de quando comecei a sentir esse incômodo. Só sei que foi crescendo, como uma dor de cabeça que começa fininha, quase imperceptível. Apareceu e tomou de assalto minha mente, essa revolta que sinto contra padrões facilmente aceitos. Não tenho nada contra padrões, muito menos contra qualquer tipo de aceitação. Mas por muitas vezes o comportamento bovino desses mamíferos bípedes primatas me provoca raiva. Não só pela coisa do rebanho, nem apenas pela consciência de grupo, nem tampouco pela necessidade doentia de se encaixar em grupelhos. É a falta de reflexão sobre o fato que me deixa mais rendido. Adicione-se a isso a venda de idéias pré-concebidas, o orgulho idiota e, horror dos horrores, o mais rasteiro maniqueísmo. Sim, em última análise, somos todos iguais. Mas uns conseguem ser irritantemente mais iguais que os outros. O único alívio que já senti ao pensar nesse assunto foi quando me lembrei da entrevista com a tal garota. Em um shopping de classe média-baixa, figurava como parte de um grupo de quase-clones, quando foi abordada pela repórter.

Eis que diante das câmeras, aquela menina morena e gorducha, os cabelos forçosamente penteados em duas pesadas tranças que lhe caíam mal-arrumadas pelos lados da cabeça demonstra um pouco de timidez, mas conversa de forma simpática com a jornalista. A câmera faz algumas tomadas de suas roupas, a saia, a camisa preta, os acessórios, as tatuagens. Os tênis pretos inevitáveis, com cadarços rosa, e a animação um pouco envergonhada, porém sorridente da mocinha que os usa. Em certo momento a câmera passeia pelos amigos, reunidos em grupo, um pouco mais distantes. Uns a observam de longe, dizendo algumas palavras de incentivo, outros conversam entre si, animadamente. A repórter faz algumas perguntas, onde a única que tomou um aspecto memorável suficiente para adentrar minha memória foi a do porquê da moça usar aquele estilo, aquelas roupas, aquelas tatuagens. A resposta, que ficou registrada na câmera, com o grupo de exatamente iguais à ela no fundo, me causou um sorriso impregnado do mais doce sarcasmo e da mais suave ironia: “Para ser diferente”.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Ecossistema

© br.viarural.com

No encontro das águas que é meu coração
Quem olhasse de longe, nada entenderia
Pois que é rio, e é mar tudo junto em confusão
Mas ao mesmo tempo, perfeito sentido fazia.

No manguezal de raízes emaranhadas
Cheio de sementes da vida e promessas por vir
Quem caminhasse em cuidadosas passadas
Encontraria algumas flores, e se poria a sorrir.

Na verde floresta das minhas ricas razões
Há o claustrofóbico ambiente que a muitos espanta
Há ancestrais verdades e magníficas ilusões
E um sentimento que em direção ao céu se levanta.

No pantanal vasto e intrincado dos meus quereres
Há espaço para toda uma vida, um ecossistema.
Há fauna e flora, há cura, há ancestrais poderes.
Só não cabem certas digressões, nem certos dilemas.

E antes disso tudo há um deserto.
Um vazio que aumenta, esperando no vento.
Tristemente vazio, como é de certo.
Ecoando murmúrios de velhos sentimentos.

Publicado no Recanto das Letras em 21/07/2010