terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A Alquimia do Ser Vivente

©2010-2011 Andy Park

Quando a espuma das ondas tocou seus pés
Lavando um pouco da areia da praia,
Enquanto ele caminhava, sem pensar no tempo
Como se andasse no convés de um velho navio
Preocupado, ao ouvir no abafado som do mar
O prenúncio de uma perigosa calmaria...
O experiente marujo estudava as nuvens, o jeito do ar
E na verdade se preocupava, pois a falta da tormenta
Era para ele o prenúncio da morte.

E tinha tanto, tanto medo de morrer.
Ele, que viveu tantos anos, coração sempre aos saltos
Ele, que aprendeu a por esse mesmo coração num altar
E jamais questionar nada que fosse que dali viesse,
Hoje tinha medo desse mesmo coração lhe falhar...
E voltava a esse seu deus interior toda força de sua prece.

Ele que tinha amado tanto, a tantas mulheres,
Carregava cada uma como um precioso tesouro.
Mal sabe que a cada uma, por prateados talheres,
Teve sua lembrança apagada, por perfume e por ouro...
Mas ainda assim se enganava, ainda assim se iludia.

Em certo momento, no caminho na praia...
Um anjo do céu lhe apareceu.
Trajava um capote e em vez de auréola, um chapéu
E trazia nas mãos um caduceu.
Era um anjo-alquimista, era um mero plebeu...
Mas ao seu lado caminhou e a conversa que veio,
Fez o homem escutar, e pensar sem rodeios.

O anjo falou das diversas esferas...
Da mágica união, entre o saber e o sentir
Deu ciência da luz, de Trismegisto, e das feras
De procurar o que passou e o que está por vir.
Falou do quanto nos prendemos a idéias
Que nos engessam, que nada transcendem
Que perseguimos como os lobos nas alcatéias
Aceitando embrulhadas do jeito que nos vendem.

E o homem que ria, chorava, e com o tempo se preocupava
Pensou diferente, talvez mais um pouco
No quanto aquela saudade do nada lhe pesava
E nas tantas vezes  que se acercou de ficar louco
E mais que pensar, passou a sentir
Não aquela paixão selvagem de um músculo controverso
Sentiu outra coisa, subiu aos céus e desceu à terra
E aprendeu que de um lado só, não é o inverso
É na duplicidade, cabeça e coração, que se encerram
Os segredos da vida, do amor, e de todo o universo.

O Fantasma da Esperança


Uma das características míticas do brasileiro é a tal da esperança. Ela flutua no imaginário e no coletivo da nossa sociedade de maneira quase espiritual. Para uns, mais identificados com o que se espera da tipicidade tupiniquim, ela assume um ar de fé, de crença quase religiosa. Acaba virando aquela coisa sobrenatural em que se escoram com simplicidade e credulidade muitas e muitas pessoas. Para outros, ela é outra coisa. Entre esses outros, há os que se rebelam em vestir a carapuça das características que nos são impostas. Temos os que não conseguem ver graça no pacote samba-praia-carnaval-futebol. Engrossam o time os que cospem no prato que comem porque nele acabam vendo mais jiló do que filé mignon. Tem também a turma que cresceu influenciada pelo pensamento de que “lá fora” tudo é melhor, como se lá vivessem seres de outro planeta, incapazes das mesmas mediocridades que nós. A todo esse heterogêneo apanhado de revoltados com o ser brasileiro, a esperança é mais uma das características que gostam de desprezar, por força da política de suas preferências.

Daí que toda vez que há uma mudança de governo, de presidente, de síndico do prédio, de técnico do clube de futebol, de gerente na empresa, de vereadores, prefeitos ou deputados, a esperança volta a baixar nos terreiros. A esperança boazinha e etérea, quase inacreditável daqueles primeiro grupo, ou a maldita esperança fantasma, aquela que os do segundo grupo se esforçam para odiar como parte do ser coletivo tupiniquim terceiro-mundista que eles amam odiar. E em qualquer um dos casos, há razão para tal. A esperança é etérea nos dois casos, intangível e inócua. Ambos estão com razão, um por acreditar na esperança como uma superstição, e outro por desacreditá-la como uma balela. Ambos acertam porque se analisarmos como a coisa toda funciona, não há espaço para esperança quando se fala de política – de qualquer tipo não só a governamental – no Brasil. Somos um país político, e política e esperança não são excludentes, apenas profundamente incompatíveis.

O Brasil é um país planejado. Muito bem planejado, diga-se de passagem. Para dar certo pra poucos e errado para muitos, e funciona como um relógio. E é justamente no funcionamento desse relógio que a tal da esperança tem apenas uma função decorativa, jamais interferindo com a máquina. Até a esperança foi planejada para ser como é por aqui. Vivemos em um país fundado em alicerces sólidos. Alguns desses alicerces atendem pelos nomes de burocracia, favorecimento, paternalismo, visão de curto prazo, nepotismo, desprezo à meritocracia, corrupção endêmica, “puxa-saquismo” e “quem indica”. São conceitos que passaram (e continuam) incólumes por toda a História da Terra Brasilis, da colônia à república. Não espanta que nenhum tipo de esperança, desejada ou não, consiga sequer arranhá-los.

Como é típico dos que pretendem olhar de fora, não me arrisco a tomar partido de nenhum dos dois grupos que abordam de maneira oposta a esperança que existe de que tenhamos dias melhores, seja em casa, seja na cidade, seja no país. Só consigo pensar que o sistema só muda de dentro. E como todos nós continuamos os mesmos, sejam os resignados, sorridentes e bovinos da massa de manobra, sejam os revoltadiços, os pirracentos e tantas vezes equivocados que dizem odiar isso aqui como adolescentes brigando com os pais, não vejo mudança tão cedo. Até nisso o projeto foi terrivelmente bem construído. Cabe o contentamento com pouco de uns, o descontentamento inócuo de outros, e a eterna permanência do status quo do projeto original: explorar, destruir, sugar tudo que há de bom, não ver o que poderia ser muito melhor, e ir gastar tudo lá fora, provincianamente. E assim segue o carro de boi, mais de quinhentos anos depois.