segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Black Swan


Darren Aronofsky conseguiu de novo. Já não é de hoje que o diretor chega como quem não quer nada e apresenta em mais um de seus filmes, normalmente produções de orçamento modesto (levando em conta o gigantismo das cifras hollywoodianas), com tramas muitas vezes simples, e acaba por arrebatar corações e mentes nas salas de exibição. Apoiado em roteiros espertos, atuações precisas e competentes, e com uma direção orientada a um cinema bastante puro, onde todo o aparato tecnológico, cenográfico e humano está direcionado à mais primordial das necessidades da sétima arte: contar uma história.

E neste Cisne Negro (por mim carinhosamente apelidado numa piada interna de “A Galinha Preta”), o cara conseguiu mais uma vez. Eu já tinha sido acertado por ele na boca do estômago por Réquiem Para um Sonho. Um filme forte, onde despido de todo o melodrama, trocado sem pena pela mais pura contundência ao tratar do assunto do vício e a fuga da realidade. Fui conquistado em O Lutador, pela precisão e pela capacidade de contar a mais prosaica das histórias de uma figura do cotidiano, através de uma pequena poesia urbana que é a vida de um personagem quase marginalizado, e mais, tirando uma atuação espetacular de um já desacreditado Mickey Rourke.

Através da história da bailarina que está prestes a ser alçada à posição de estrela da companhia, prestes a estrear uma importante montagem de O Lago dos Cisnes, o filme nos joga de cabeça na espiral de loucura que se torna a vida de Nina, interpretada por uma Natalie Portman perfeita. Através dela, assistimos a normalmente obsessiva rotina da busca pela perfeição no balé clássico. Vemos sua vida ao lado de uma mãe ex-bailarina e opressora, que não se furta a fazer o velho jogo do “larguei tudo por você”. Acompanhamos o stress das exigências do preparo de um grande espetáculo na sua cabeça insegura e com precária estrutura emocional. Acompanhamos o choque entre sua personalidade submissa e a chegada de uma concorrente extrovertida e igualmente competente. Todas essas nuances torturantes nos são mostradas com precisão, à medida que tudo começa a ruir em volta de Nina, tanto a sanidade, quanto o tempo, e seu próprio eu. E créditos à atuação de Natalie, que consegue transmitir todo o inferno emocional de sua personagem sem se apoiar somente no texto, já que o roteiro é muito mais focado na emoção percebida e no subtexto do que no texto propriamente dito.
Adicione-se a isso a trilha sonora, a ambientação, os efeitos especiais perfeitamente submetidos à tarefa de ajudar a contar a história (e jamais o contrário), e a maestria com que o filme costura tanto os elementos do roteiro quanto as performances dos atores. Esses toques magistralmente colocados, também contribuem de maneira fundamental para tornar a Galinha... ops... O Cisne Negro uma grande experiência de cinema. É o tipo de filme que gostando ou não, dificilmente deixa quem assiste impassível. Mais um golaço do diretor, um filme que merece ser assistido.

Temporais de Janeiro

© thedailygreen.com

Há dias em que preciso dizer não ao cansaço
Em que preciso correr do desconforto
Dias em que preciso receber um abraço
Mesmo que seja da memória de um morto...

Há dias em que tudo parece fechado, sem saída
E ainda assim eu sorrio, olho as nuvens e o mar
E continuo caminhando, no calor da avenida
Mesmo quando a chuva ameaça despencar

Há dias em que a minha rotina se inunda, alaga
E meus sonhos flutuam, sacos na enxurrada
E mesmo assim minha alma ainda se indaga
Se quando o sol voltar, ainda estará ali a estrada...

Nos dias em que o suor escorre e tudo é calor
Sufocado, e limitado por razões a escolher
Invento poesias pra amenizar minha dor
E por bem ele aceita, pra parar de doer

Nesses dias em que tudo que conta são mágoas
E tragédias, fracassos e pontes partidas
Eu ignoro os destroços, e mergulho nas águas
E resgato algumas esperanças perdidas

E sigo assim, defesa civil de meu próprio eu
A salvar alegrias ilhadas, e sorrisos perdidos
Ou algum sentimento que alguém esqueceu
Na seção de triagem dos meus donativos

E quando o período das chuvas se for
Os moradores voltando para as suas casas,
Procurando cada qual consertar seu amor
E deixando seus sonhos secarem as asas.

Publicado no Recanto das Letras em 28/01/2010