terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Máfias e Caos Sob Um Sol de 40 Graus

Praça da Bandeira Alagada. Em  1940.


Início da década de 90. Quando Fernanda Abreu lançou sua famosa música “Rio 40 Graus”, uma parte da letra atraiu muito minha atenção. Não era uma artista cujo trabalho me despertasse grande admiração. Naqueles idos de 1992, eu pouco tempo depois de entrar pra faculdade, gostava mais de rock’n roll puro e simples. Fernanda era artista “de rádio”, do mundo pop, mas essa música em especial me fez pensar sobre aquele Rio de Janeiro que eu começava a conhecer e por causa da faculdade, freqüentar seis dias por semana. Depois de ter nascido e sido criado no ambiente ainda bastante interiorano da minha cidade natal, era um pouco intrigante ainda ouvir uma música falando tão bem/mal do Rio.

Até então eu me lembrava do Rio cantado apenas como a Cidade Maravilhosa. Não tinha contato mais próximo ou marcante com qualquer outra música que falasse do Rio não-maravilhoso. É claro que eu sabia que o buraco de bala era mais embaixo, mas não através de letras de músicas. Até prestar atenção na letra da Rio 40 Graus. O purgatório da beleza e do caos cantado por Fernanda era algo muito pertinente, uma observação esperta (ixxxperrrrta) do que o Rio de Janeiro passou a ser durante os anos 80, já emergindo com força nos 90. A bolha de pus tinha crescido, era hora de estourar. E a letra falava justamente disso.

Um aspecto da canção que desde aquela época me impressiona é o momento em que se fala das máfias, submáfias, dos governos paralelos, submundos e comandos. Talvez seja essa a característica do universo do Rio de Janeiro que mais represente o atraso do estado. Talvez seja uma característica tipicamente brasileira, alguns diriam. Mas não há como se livrar a cara do Rio nessa. Assim como os peitos e bundas no carnaval, as máfias e submáfias, os comandos, submundos e governos paralelos, podem existir em qualquer lugar do Brasil. Mas é aqui no Rio que eles aparecem no auge de sua sem-vergonhice, que rebolam ostensivamente sua impunidade. Andam com pouca roupa, dão mole pra quem quiserem e são esfregados na sua cara, mais do que em qualquer outro lugar no país.

Vivemos no estado do governo paralelo das mulheres que querem ser tão “malandras” quanto os homens. Vivemos no estado em que as empresas fogem para não pagarem mais impostos à máfia dos fiscais do que já pagam ao governo. Vivemos no estado onde o comando das boates de luxo paga um gaiato na Ilha do Governador para preencher garrafas vazias de Chivas Regal com Old Eight. Vivemos no estado onde alguém lucra tanto com o tráfico de drogas que consegue calar a boca de governadores, polícia rodoviária, autoridades portuárias, clero, exército, marinha e aeronáutica. Vivemos na terra abençoada por Deus e bonita por natureza, que produz mais lixo que a bem mais populosa e inflada São Paulo. Vivemos na terra dos que se orgulham de ter praia no quintal, mas que nesse lugar tantas vezes cantado como democrático, deixam toneladas e toneladas de lixo e falta de educação a cada fim-de-semana. O Rio não é o berço da máfia, mas os italianos tem lições a aprender conosco. Há 500 anos a terra de São Sebastião acomoda também a mais pura inércia dos não-mafiosos em suas ruas inundadas no verão. Aqui, servindo aos mafiosos vive um povo que quer ser mafioso também. Um povo que gosta de sambar na lama da enxurrada, driblar com galhardice os sacos de lixo que boiam na mistura de água e urina de foliões carnavalescos.

O que esperar de um lugar que foi capital, e ainda exibe o ranço amargo daqueles que perderam um cargo? Não que o “Ridijanêro” tenha que se preocupar, afinal está sendo substituído no cargo de Distrito Federal da filhadaputice com mérito extremado por Brasília. Mas ainda assim, a terra dos 40 graus não se emenda. Mesmo sem a obrigação de ser a capital do Império, continua-se aqui infelizmente sob ares de terra imperial deixada sob a responsabilidade de um regente. E um daqueles regentes do tipo gerente de empresa antiquada. Nunca está, nunca aparece, só recebe sua parte e sabe-se lá Deus onde passa o resto do tempo. No fim, a empresa não é dele. Aliás, ele nem sabe quem é o dono. Nem nós sabemos. Do Rio de Janeiro? Não faço a mínima idéia. Se esse lugar puder ser considerado terra de alguém, eu desconheço o proprietário.