quinta-feira, 14 de abril de 2011

Um trem com destino à parede

Tunnel Vision - Wile E. Coyote - © Chuck Jones

Há momentos em que tudo que desejamos é controle. Controle sobre nós mesmos, controle sobre o tempo, controle sobre vários aspectos da nossa vida. E o sofrimento gerado por não termos, na maioria das vezes, como ter posse desse controle é capaz de partir-nos, de tornar-nos pedaços. Somos transformados em fragmentos de pessoas, que andam pelas ruas, que circulam em seus carros, sempre em busca de suas partes perdidas. É muito triste sentir-se fragmentado, e mais triste ainda olhar em volta e ver que a maioria das pessoas procura seus fragmentos perdidos em lugares que nada oferecem nem acrescentam. Sinto-me sozinho na busca por referências no exato momento em que olho em volta e enxergo destroços ainda mais caóticos que os meus. E como num mercado das pulgas de destroços, cada um procurando nos cacos do outro, peças para completar o vitral quebrado em que se transfigurou.

De um lado, pessoas entregando-se a crenças falidas, procurando um conforto ilusório que pouco ou nunca vem. Crenças que geram preconceito, que geram morte, ganância e violência. De outro lado, aboletam-se em uma busca intensa e obsessiva por prazeres que são via de regra, tão ou mais vazios que a própria busca. Através dessa procura incessante, encontram de maneira implacável a doença, a perda da qualidade de vida, a limitação da própria liberdade.

E no meio disso tudo, os poucos que conseguem enxergar um milímetro além sofrem mais. Sentem dor ao verem com mais clareza o tamanho da cilada que nossa própria sociedade armou pra si mesma. Somos um trem sem freios, puxando tanques e tanques de nitroglicerina rumando a toda velocidade para um túnel de desenho animado, pintado numa sólida parede. Por todo o trem, aqueles poucos capazes de divisar à distância a parede se aproximando gritam alertas desesperados. Enquanto isso, em hipotéticos vagões-restaurantes, a imensa maioria brinda em meio ao caos. Eles sorriem e se embriagam, na vã tentativa de preencher um vazio que só aumenta. Eles se embriagam, e sorriem na vã tentativa de esconder a vontade que sentem de passar para o próximo vagão. Eles sorriem e se embriagam, numa última e desesperada tentativa de se esquecerem de que foram treinados para jamais estarem em paz. Eu assisto a tudo isso, e minha embriaguez cessa. Talvez seu fim abrupto seja pela força do pranto que agora molha meu rosto. À medida que os vapores da embriaguez se dissipam, me percebo real. Estou sozinho, e confortavelmente sentado num indefinido vagão-restaurante lá pelo meio daquele mesmo trem em sua inexorável trajetória rumo à parede pintada.