segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Stake Land


Há filmes que nos fazem pensar, sem que tenhamos esperado por isso. Alguns conseguem essa façanha de mesmo não sendo especialmente bons, inéditos, artisticamente destacados, ou vindos de criadores famosos. Às vezes, basta o fato de lançarem uma nova luz sobre velhas questões, ou de saberem nos levar, mesmo que sem querer, a um mundo diferente do nosso. Recentemente assistindo ao despretensioso filme Stake Land, acabei encontrando não só um entretenimento de boa qualidade, mas alguns pontos para se refletir também.

Neste filme de terror de 2010, a peculiaridade já começa pelo próprio gênero. Apesar de estarem presentes todo o clima e os elementos necessários a um filme do tipo, algo chama a atenção a um observador mais atento, desde o princípio. O diretor Jim Mickle procurou (sabiamente, a meu ver) contemplar a história de uma forma mais intimista, com a câmera reproduzindo o olhar sensível e o "tempo para respirar" muito mais comum nos filmes de drama do que nos frenéticos e simplistas filmes de terror com os quais esse poderia ser facilmente confundido. Ao escolher esse caminho, Mickle conseguiu pontos a mais, elevando do que poderia ser apenas mais um filme do gênero "epidemia de vampiros bestiais" para um patamar acima. O resultado é uma jornada melancólica e pós-apocalíptica com tons de A Estrada e O Livro de Eli,  onde o foco principal não está nos famigerados vampiros, mas na busca por um local melhor para se viver, numa sociedade que desmorona completamente.

É justamente aí que começa a parte "para pensar" que mencionei no início do texto. Vemos que os criadores Jim Mickle e Nick Damici (respectivamente diretor, co-roteiristas e ator principal) conseguiram fazer dentro de um filme de terror que poderia ser visto somente como isso, uma alegoria bastante precisa e ácida do atual momento dos Estados Unidos da América. Temos o jovem Martin, que representa o futuro, o inseguro e despreparado jovem americano comum, criado com a intenção de ser e viver feliz, mas completamente incerto de seu amanhã. Martin acompanha e é orientado (e protegido) pelo misterioso Mister, a epítome do passado americano, o cowboy calado, o guerreiro cuja única função é sobreviver, o homem que faz o que um homem tem que fazer e que já não vê lugar para si no mundo caótico em que vive. A sociedade em total ruína, os vampiros perambulando pelo país como meros animais que se alimentam do sangue das pessoas comuns, seriam algo como  a parcela da sociedade atual perdida para o crime e as drogas, ou em última análise, para a própria imbecilidade, improdutividade e desemprego crescente daquela sociedade. E no cenário do ideologicamente atrasado meio-oeste americano, outras alegorias tomam forma: o fanatismo religioso, as seitas que surgem utilizando o nome de um Deus que aparentemente virou o rosto para outro lado. O que ainda não foi  consumido pela destruição bestial dos vampiros é dominado por seitas que usam o nome de Deus para buscar seus próprios objetivos insanos, uma representação clara do retrocesso e da ultra-religiosidade direitista ferrenha que volta e meia deixa os próprios EUA perplexos. As seitas do filme representam bem o nosso momento atual, não só nos EUA mas em todos os países onde neopentecostais e diversas outras denominações cristãs,  florescem com sua canhestrice, preconceitos arraigados, e a busca por óbvios interesses financeiros que apenas a seus líderes carismáticos interessam.

E onde está a solução? De forma ao mesmo tempo inteligente e autocrítica, o roteiro evidencia que a viagem sempre em direção ao norte é a forma de desistir de todo aquele país destroçado, que não se cumpriu. No norte, está a "terra prometida", está o Canadá. É o americano sendo obrigado a desconstruir toda a sua auto-imagem e arrogância. O filme acerta em mostrar um punhado de sobreviventes atravessando milhas e milhas de amargura em direção ao antes desprezado vizinho, agora transformado na única esperança de algum futuro melhor. Como eu disse antes, é bom encontrar no meio de uma diversão despretensiosa, algo que nos faça pensar. Stake Land, um filme que merece ser comentado por conta dessa boa surpresa.