quinta-feira, 29 de março de 2012

Mini-ditaduras




Dia desses, li uma matéria interessante a respeito de um assunto polêmico ao qual tenho prestado bastante atenção nos últimos tempos. Falava sobre um jovem casal, profissionais de boa formação, que tinham um relacionamento estável, feliz, e que não desejavam ter filhos. Ao ler a matéria, em muitos momentos me identifiquei com alguns argumentos, já que como mencionei, ultimamente tenho pensado com mais frequência no assunto “ter ou não ter, eis a questão”. Me vi bastante em alguns pontos, em outros nem tanto, mas procurei enxergar os diferentes lados da questão. Ao terminar a leitura, o que me impressionou mais profundamente não foi a matéria em si, mas o teor de alguns dos comentários feitos por pessoas não tanto do bloco dos que apoiavam a decisão de não ter, mas os do bloco dos que discordavam do casal. Percebi isso como sinal de um claro desequilíbrio em nossa sociedade, uma incômoda sensação de que vivemos certos aspectos dela em uma liberdade extremamente frágil. Uma mini-ditadura.

À medida que os meus 40 anos vão se aproximando, eu me ponho a pensar a respeito do gerar ou não filhos. À medida que a nossa vida avança, a gente vai percebendo que nem sempre -e nem pra todo mundo- aquele roteirinho pronto de vida perfeitinha funciona. No meu caso, por exemplo, tive um relacionamento sério bem jovem, e ao que tudo parecia, o roteiro ia ser o padrão. Namoro começado quando tinha meus 18, fomos morar juntos quando eu tinha 25. Só que o roteiro mudou. O casamento durou 5 anos apenas, e nos separamos antes de virem os filhos. Aos 30, por uma infinidade de razões (que não cabem neste post, seriam assunto para outro), foi com boa dose de alívio que enfrentamos uma separação que teria sido infinitamente mais estressante e menos civilizada se tivesse criança(s) na questão. Depois disso, vieram anos de solteirice que passaram rápido. Quase nenhum dos relacionamentos desse período conseguiu me levar a considerar a hipótese de casar ou juntar novamente, e nenhum me levou a considerar ter filhos. Aos 37, quase 38, mesmo estando em um relacionamento melhor que os anteriores, me reconheci como uma pessoa diferente de quando estive casado. Somaram-se as novas vivências, experiências e mudanças de modos de pensar a um certo anticonformismo que eu já tinha mesmo, no original. O tempo passou e eu comecei a ter mais capacidade de questionar certos padrões e certas posturas que a sociedade já espera da gente no automático. Não tinha sido a própria vida que em certo momento se recusou a me dar um roteiro padrão para seguir? Pois bem, então. Coincidência ou não, ter conhecido e estar namorando uma mulher tão “ponto fora da curva” quanto eu me fez repensar várias cobranças que a sociedade faz às pessoas. Como essa obrigação de formar famílias, ter filhos, procriar.

Já ouvi pessoas dizendo coisas como “mas quem vai cuidar de você quando ficar velho?” “Ficar velho sozinho é muito ruim” “Filhos são a alegria da nossa vida”... Tudo clichê, tudo pensamento pronto, tudo coisas que podem ser assim OU NÃO. Existe muito velho que tem filhos, e ainda assim se encontra abandonado. Existe muito velho que não tem filhos, mas que nem por isso é alguém solitário ou abandonado. Existe muitos pais e mães cujos filhos trouxeram muito pouca coisa além de sofrimento e desgosto em suas vidas. Já conheci, testemunhei, convivi, com muitas pessoas que não deveriam ter tido filhos. Acredito firmemente que nem todas as pessoas foram feitas pra serem pais. Aliás, a nossa sociedade ainda peca no entendimento de que procriar é muito diferente de formar um filho, ou de criá-lo minimamente bem. Sem contar com a glamourização da gestação, do nascimento, com objetivos puramente mercadológicos. Feiras de “gestantes-e-bebê” e lojas de artigos para bebês são uma ótima forma de observar as pessoas agindo no piloto automático imposto pela sociedade. Mas se você tiver ouvidos atentos, e uma cabeça capaz de entender algo mais complexo que futebol ou novela das oito, irá perceber que nem tudo são rosas. Às vezes você percebe uma mãe estressada pelo milhão de responsabilidades descontando irracionalmente sua frustração nos próprios filhos. Às vezes você testemunha o pai que nada mais foi que só um depositador de esperma num óvulo, faltando com tudo que se espera dele na formação de uma criança. Às vezes você conhece alguém que tem uma miséria emocional tão profunda, que duvida que um filho criado por aquela pessoa seja capaz de sobreviver nesse mundo estranho que temos aí hoje em dia. E no fim, chega à conclusão de que o simples fato de ser pai ou mãe não transforma uma pessoa ruim automaticamente numa pessoa boa. Qualquer canalha pode ter filho.

Mas quando volto ao caso da matéria, o que me vem à mente com mais força não é a questão da escolha de cada pessoa. O estranho é notar nos comentários uma grande quantidade de pessoas condenando a decisão do casal, como se sua verdade de pais fosse automaticamente mais valiosa que a dos não-pais. Fiquei pensando como essas mesmas pessoas reagiriam se fossem condenadas em suas decisões de terem filhos. Se a cada problema que enfrentassem na criação ou educação das crianças, lhes fossem jogadas na cara suas falhas. Tudo isso, se mistura na minha cabeça, conjugando um caldeirão que começa com a lembrança de vários episódios de “Supernanny” onde filhos batem na cara dos pais, crianças incontroláveis, meninas de 12 anos sendo mães nas favelas, inocentes abandonados na rua até não serem mais inocentes, e uma sociedade que discute com mais vontade o aborto do que a inteligência de se refletir sobre se um casal deve ter filhos ou não. Se vivemos numa sociedade de pequenas ditaduras, certamente esta é uma delas.

A propósito, a matéria que mencionei está neste link.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Abolição



















Hoje aboli alguns segredos,
Aboli também alguns medos e delírios...
Decretei, com a pena exata e cruel do destino
A abertura de um processo de libertação
da minha escravatura.

Exigi do meu futuro um abrandamento
Que não seja um fim, para o sofrimento
Ao menos que eu veja, que eu sinta
Um caminho a seguir, sem mentira, sem fintas
Uma estrada clara,ou uma forte viga
Não quero mais empurrar com a barriga.

Hoje aboli toda uma história de procuras cegas
Todo um passado de noites em trevas
Em negação de prazeres e fé.
Me permiti o direito de sonhar com futuros
De sair de subterrâneos, porões escuros
E na luz do dia, postar-me em pé.

Na ressaca da festa da libertação,
Me tornei consciente da minha verdade
Sou um livro aberto, minha própria ficção
A navegar o revolto mar da liberdade.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Dias de luta


















Ao meu lado, minhas botas descansam
Meus pés a sentir o frio do chão
Pela janela, vejo os anos que avançam
Em cada vez mais rápida sucessão.

A semana passou, eu não vi
Chateado, inadequado, dormente
Já a vida passando, eu senti
Pra culpar, só o maldito inconsciente.

Ouço cair uma chuva gentil lá fora
Mais agradável que esses meus dias
Sinto tanta saudade de sentir a demora
Das tardes quentes, das manhãs frias...

Mas a vida está aí, ela é feia, ela é dura
É boa de porrada, bate muito, muito bem
Espera pra te atacar numa esquina escura,
E depois de caído, te olhar com desdém.

Eis, que a semana molhada vai passando
Me retornam as forças, a dor diminui
A velha vontade de viver vai brotando
Já vou sendo outro, não mais quem fui

E o renascer dessas cinzas rotineiras
É a tônica de todo meu cotidiano
Como água a pingar de muitas torneiras
Ou as marés, com que conto meus anos.

(originalmente publicado em 13/06/2011)

Divagações

©Sxc.hu

Às vezes, é minha mente a divagar.
De vagar, de tanto vagar, ela cansa
Mesmo que vagueie devagar,
Mesmo quando a poesia a alcança,
O desânimo vem, e a faz hibernar

 Entra num ócio contido, um quase-sono
Um não-pensar desvalido de abrigo
Um morar em país estranho, sem patrono
É a mente a tropeçar, em território inimigo

Às vezes, é a vida e suas tragédias normais
Sejam más notícias, públicas ou privadas
Às vezes prejuízos, ou doenças mortais
Outras vezes, desilusões desamordaçadas

A mente flutua num âmbar cartilaginoso
Num pântano sutil de impressões a tirar
Uma selva implacável, habitat perigoso
E quase nenhum mapa para me guiar.

O segredo para sair, duramente aprendido
É ir pisando nas pedras que acaso encontrar
Mesmo que às vezes me suspeite perdido
Olha em torno, vê outra pedra onde possa pisar

Só se pisa na próxima, se mostrar-se segura
Firme, capaz de sustentar bem o peso
De nós, nossas vidas, dúvidas, amarguras
Pra seguirmos nosso caminho coeso
E partir de cada pedra, para trilhas futuras

E saindo dali, a mente descansa
Do repouso traz nova energia
Retoma um pouco do riso de criança
E abre espaço para a velha alegria.

sábado, 10 de março de 2012

Saudade


Tem momentos na vida em que a gente congela. Ficamos num estado estranho, no qual a inspiração até existe, mas não tem canal de saída. Aconteceu comigo recentemente. Um hiato de criatividade, um hiato de arte, um hiato de vida. É o que a gente sente na época posterior a uma perda. O falecimento de minha mãe, após seis meses de luta contra uma enfermidade difícil. Uma infecção fortíssima, concentrada na área dorsal da coluna. Descoberta, diagnóstico, tratamento, cirurgia, recuperação promissora, recaída e fim. Pegou a família de certa forma de surpresa, pois que ela, pessoa saudável durante toda a vida, jamais tinha ficado internada em hospital para nada que não fosse dar à luz os filhos. Ela, que do alto de seu 1 metro e meio, já tinha vencido desafios e dificuldades capazes de derrubar gigantes. Aparentemente venceria aquele desafio também. Infelizmente, não foi o que ocorreu, e a nossa pequena guerreira lutou sua última batalha. Com a coragem que lhe era peculiar, e com o apoio da família, até bem perto do último momento não dava mostras de que iria ser vencida, mas o momento derradeiro nos chega para todos, e para ela não foi diferente. Para nós ficou uma saudade imensa. Os procedimentos de velório, de enterro, e as semanas seguintes foram especialmente dolorosas. Burocracias, assuntos de cartórios, bancos, advogados, toda uma sorte de coisas que a família tem que resolver ainda navegando na dor de não ter mais alguém que há pouquíssimo tempo estava ali ao nosso lado. Nesse período, silenciei o que pude. Procurei fazer com que a dor, já que inevitável, fosse calma e trouxesse ensinamentos.

Guardei pouco mais de um mês de distanciamento de muita coisa, para poder colocar meus pobres neurônios em ordem. Guardei luto pela minha mãezinha, que faleceu no dia 3 de fevereiro passado. Logo depois que se passou o falecimento, fiquei pensando no que poderia escrever sobre isso. A emoção que eu sentia me fazia lembrar das milhares de elegias e homenagens que tantas pessoas já fizeram nesse mundo, nas pessoas que estampam fotos de entes queridos mortos na camisa, mas tudo isso me pareceu sem sentido. Como, se a saudade de alguém que me formou como ser humano é impossível de mensurar? Pensei muito nela, muito na pessoa dela, no jeito de ser dela e em tudo que aprendi com ela, e decidi fazer o que ela esperaria que eu fizesse. Mantive a cabeça erguida, segui com a vida. Dei meu tempo pro choro, dei meu tempo pra tristeza, mas segui com a vida. Isso foi o que minha mãe deixou de mais precioso como ensinamento para mim.

Aprendi com ela que a vida é difícil. Aprendi com ela que a vida é pra quem tem força, pra quem não se dobra, pra quem não se abate, pra quem apanha mas segue adiante. Aprendi com ela que amar o próximo não se trata apenas palavras doces e sorrisos, mas também querer o bem de quem se quer, e demonstrar isso até mesmo na hora de reclamar. Aprendi com ela a não dar razão para o erro, nem que seja um erro de quem nos é caro. Aprendi que quando gostamos dos nossos, cuidamos deles, e que cuidar muitas vezes envolve mais coisas que somente aprovar tudo que eles fazem. Com ela aprendi que podemos chorar, mas que não devemos chorar à toa. Que temos que ser bons, mas não devemos ser moles. Aprendi que a vida é mais feliz quando sabemos o que queremos. E que mesmo quando não sabemos o que queremos, saber o que não queremos é fundamental. Aprendi que as posses só trazem felicidade quando sabemos o que fazer com elas. Aprendi que devemos gostar de quem gosta de nós, e que a inversão dessa regra é a causa da infelicidade de muitas e muitas pessoas. Aprendi que por mais difícil que seja a vida, a honestidade é o único caminho certo, e que ter a consciência tranquila é uma benção que ajuda a gente a enfrentar as mais difíceis batalhas.

Poderia enfim, escrever ainda vários volumes sobre tudo que aprendi com ela, mas não viria ao caso. Basta dizer que do fundo da saudade que vai existir pra sempre em meu coração, aprendi com ela o fundamental. Na falta de meu pai, com quem não pude conviver desde os meus 5 anos e que faleceu quando eu tinha apenas 16, foi ela quem me ensinou praticamente tudo o que importa. Foi com ela que eu aprendi a ser um Homem. Isso sim, é uma herança a se deixar. Saudades pra sempre, D. Maroca!