sábado, 10 de março de 2012

Saudade


Tem momentos na vida em que a gente congela. Ficamos num estado estranho, no qual a inspiração até existe, mas não tem canal de saída. Aconteceu comigo recentemente. Um hiato de criatividade, um hiato de arte, um hiato de vida. É o que a gente sente na época posterior a uma perda. O falecimento de minha mãe, após seis meses de luta contra uma enfermidade difícil. Uma infecção fortíssima, concentrada na área dorsal da coluna. Descoberta, diagnóstico, tratamento, cirurgia, recuperação promissora, recaída e fim. Pegou a família de certa forma de surpresa, pois que ela, pessoa saudável durante toda a vida, jamais tinha ficado internada em hospital para nada que não fosse dar à luz os filhos. Ela, que do alto de seu 1 metro e meio, já tinha vencido desafios e dificuldades capazes de derrubar gigantes. Aparentemente venceria aquele desafio também. Infelizmente, não foi o que ocorreu, e a nossa pequena guerreira lutou sua última batalha. Com a coragem que lhe era peculiar, e com o apoio da família, até bem perto do último momento não dava mostras de que iria ser vencida, mas o momento derradeiro nos chega para todos, e para ela não foi diferente. Para nós ficou uma saudade imensa. Os procedimentos de velório, de enterro, e as semanas seguintes foram especialmente dolorosas. Burocracias, assuntos de cartórios, bancos, advogados, toda uma sorte de coisas que a família tem que resolver ainda navegando na dor de não ter mais alguém que há pouquíssimo tempo estava ali ao nosso lado. Nesse período, silenciei o que pude. Procurei fazer com que a dor, já que inevitável, fosse calma e trouxesse ensinamentos.

Guardei pouco mais de um mês de distanciamento de muita coisa, para poder colocar meus pobres neurônios em ordem. Guardei luto pela minha mãezinha, que faleceu no dia 3 de fevereiro passado. Logo depois que se passou o falecimento, fiquei pensando no que poderia escrever sobre isso. A emoção que eu sentia me fazia lembrar das milhares de elegias e homenagens que tantas pessoas já fizeram nesse mundo, nas pessoas que estampam fotos de entes queridos mortos na camisa, mas tudo isso me pareceu sem sentido. Como, se a saudade de alguém que me formou como ser humano é impossível de mensurar? Pensei muito nela, muito na pessoa dela, no jeito de ser dela e em tudo que aprendi com ela, e decidi fazer o que ela esperaria que eu fizesse. Mantive a cabeça erguida, segui com a vida. Dei meu tempo pro choro, dei meu tempo pra tristeza, mas segui com a vida. Isso foi o que minha mãe deixou de mais precioso como ensinamento para mim.

Aprendi com ela que a vida é difícil. Aprendi com ela que a vida é pra quem tem força, pra quem não se dobra, pra quem não se abate, pra quem apanha mas segue adiante. Aprendi com ela que amar o próximo não se trata apenas palavras doces e sorrisos, mas também querer o bem de quem se quer, e demonstrar isso até mesmo na hora de reclamar. Aprendi com ela a não dar razão para o erro, nem que seja um erro de quem nos é caro. Aprendi que quando gostamos dos nossos, cuidamos deles, e que cuidar muitas vezes envolve mais coisas que somente aprovar tudo que eles fazem. Com ela aprendi que podemos chorar, mas que não devemos chorar à toa. Que temos que ser bons, mas não devemos ser moles. Aprendi que a vida é mais feliz quando sabemos o que queremos. E que mesmo quando não sabemos o que queremos, saber o que não queremos é fundamental. Aprendi que as posses só trazem felicidade quando sabemos o que fazer com elas. Aprendi que devemos gostar de quem gosta de nós, e que a inversão dessa regra é a causa da infelicidade de muitas e muitas pessoas. Aprendi que por mais difícil que seja a vida, a honestidade é o único caminho certo, e que ter a consciência tranquila é uma benção que ajuda a gente a enfrentar as mais difíceis batalhas.

Poderia enfim, escrever ainda vários volumes sobre tudo que aprendi com ela, mas não viria ao caso. Basta dizer que do fundo da saudade que vai existir pra sempre em meu coração, aprendi com ela o fundamental. Na falta de meu pai, com quem não pude conviver desde os meus 5 anos e que faleceu quando eu tinha apenas 16, foi ela quem me ensinou praticamente tudo o que importa. Foi com ela que eu aprendi a ser um Homem. Isso sim, é uma herança a se deixar. Saudades pra sempre, D. Maroca!